Banco Central aumenta taxas de juro

PorJorge Montezinho,13 mai 2023 9:20

Sobem todas: a taxa de juro directora, a taxa de juro das Facilidades Permanentes de Absorção de Liquidez, a taxa de juro das Facilidades Permanentes de Cedência de Liquidez e a taxa de juro de Redesconto. Governador do Banco de Cabo Verde refere que é fundamental alinhar, de forma gradual, a política monetária do BCV à actuação do BCE (Banco Central Europeu), para reduzir o diferencial de juros e aliviar os riscos associados a uma possível saída de divisas.

A guerra na Ucrânia, os confinamentos intermitentes na China, a crise persistente no sector da energia e cadeias de produção interrompidas, provocaram um desequilíbrio entre a oferta e a procura de bens e serviços e o consequente aumento dos preços.

Os bancos centrais, em resposta, aumentaram as taxas de juro para controlar esta tendência crescente da inflação, que continua a atingir níveis recorde – em Cabo Verde atingiu os valores mais altos dos últimos 20 anos.

Em 2022, pela primeira vez em 11 aos, o BCE começou a mexer nas taxas de juro. A principal razão? Como o próprio Banco Central Europeu explicou, “somos o banco central responsável pelo euro e o nosso mandato consiste em manter os preços estáveis. Quando os preços na nossa economia estão a subir com demasiada rapidez – ou seja, quando a inflação é demasiado elevada –, o aumento das taxas de juro ajuda-nos a fazer regressar a inflação ao nosso objetivo de 2% a médio prazo”.

Agora, o BCV também mexe nas taxas de juro. Como avança o último Relatório de Política Monetária, publicado esta segunda, foram adoptadas as seguintes medidas: aumento da taxa de juro diretora (TRM) em 75pb, de 0,25% para 1,00%; aumento da taxa de juro das Facilidades Permanentes de Absorção de Liquidez (FPA) em 50 pb, para 0,55%; aumento da taxa de juro das Facilidades Permanentes de Cedência de Liquidez (FPC) em 75 pb, de 0,50% para 1,25%; aumento da taxa de juro de Redesconto em 100 pb, de 1,00% para 2,00%.

“É inevitável a subida das taxas de juro do Banco de Cabo Verde”, diz ao Expresso das Ilhas o economista e antigo governador do Banco de Cabo Verde, Carlos Burgo. “É certo que Cabo Verde, dado ao fraco desenvolvimento do seu sistema financeiro, apenas está tenuemente integrado nos mercados financeiros internacionais. Todavia, a nossa moeda está ancorada ao EURO através do regime de paridade fixa”.

“Considerando o contexto internacional e a ligação da moeda cabo-verdiana ao Euro, não se aconselhava nem se justificava a inação do BCV a nível da gestão das taxas de juro. Apesar do fraco desenvolvimento dos mercados financeiros, a credibilidade do banco central depende muito do efeito de sinalização das suas taxas de referência”, continua Burgo. “A esta luz, não creio ser positivo a manutenção das taxas do BCV a um nível muito aquém das do BCE, apesar do peso dos financiamentos concessionais e das remessas dos emigrantes na balança de pagamentos”.

“Não se pode apenas olhar para o nível actual das reservas internacionais”, sublinha ainda o economista. “Há que considerar os riscos e eventuais choques nos fluxos da balança de pagamentos. E é por demais sabido que a política monetária demora tempo a actuar. Ademais, apesar do atraso inicial na reação dos principais bancos centrais, soube-se logo que o ciclo de subida das taxas de juro a nível internacional ia ser acelerado e prolongado”.

Evitar a saída de divisas

Como explica o Banco Central cabo-verdiano, o objetivo deste aumento é também actuar de forma preventiva, para: “(i) reduzir o diferencial entre as taxas de juro internas e aquelas praticadas nos mercados internacionais, em particular na Área do Euro, numa altura em que as autoridades monetárias se preparam para efetuar uma desaceleração nos movimentos de subida das respetivas taxas de juro de referência; (ii) conter os riscos associados à saída de capitais do país, (iii) garantir a sustentabilidade do regime cambial de peg fixo da moeda nacional ao Euro e, em última instância, (iv) contribuir para atenuar as pressões inflacionistas no país, sem descurar os desafios associados à estabilidade financeira, o banco central entende ser relevante adotar uma postura restritiva, normalizando gradualmente a política monetária”.

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No actual contexto de crise, os bancos centrais de referência internacional – o Banco Central Europeu (BCE) e a Reserva Federal dos Estados Unidos (FED) – adotaram medidas de política monetária restritivas, visando o combate das pressões inflacionistas, das quais se destacam as subidas das respectivas taxas de juro de referência, o que tem vindo a resultar no alargamento do diferencial entre as taxas de juro internas e as praticadas nos mercados internacionais.

Segundo o BCV, esta actuação das autoridades monetárias, em especial a do BCE, constitui um factor de risco para a economia nacional, uma vez que o diferencial de juros poderá exercer alguma pressão sobre as reservas cambiais do país. O spread face à taxa de referência do BCV manteve-se estável entre Junho de 2017 e Março de 2020. Com as medidas adoptadas pelo BCV, em Abril de 2020, o diferencial entre as taxas de juro recuou para 25 pontos base, continuando a ser favorável à taxa nacional, situação que se manteve até Junho de 2022. A partir de Julho, o BCE deu início à subida das taxas de juro, com os aumentos sucessivos das taxas de referência a agravarem o spread face à taxa diretora do BCV, situação que resultou num diferencial de 325 pontos base a favor da taxa europeia.

Além disso, como se lê no Relatório de Política Monetária, a liberalização dos movimentos de capitais contém um conjunto de riscos, como a saída de capitais na procura de melhores oportunidades de investimento, em função dos níveis de retorno proporcionados pela subida das taxas de juro nos mercados internacionais e da percepção do risco, “o que, em última instância, poderia traduzir-se na queda das reservas cambiais do país”.

“Num sistema bancário caracterizado pelo excesso estrutural de liquidez, o alargamento do spread entre as taxas de juro de referência do BCE e do BCV assume capital importância, podendo actuar como um incentivo para as instituições bancárias nacionais realizarem investimentos no mercado da Zona Euro, recorrendo a recursos nacionais, através da compra de divisas. Este risco, a materializar-se, pelos seus efeitos nas reservas oficiais do país, seria suscetível de constituir uma fonte de pressão à sustentabilidade do regime cambial de peg fixo da moeda nacional ao euro. Além do mais, o diferencial de juros favorável às divisas internacionais de referência face à moeda nacional tem como consequência o aumento da atratividade das operações externas por parte da banca nacional, em detrimento de operações internas, com impacto negativo no crescimento das reservas”, refere ainda o documento.

As consequências

As taxas de juro correspondem ao custo de solicitar um empréstimo (diz-se, por vezes, que são “o preço da moeda”). Quando se alteram as taxas de juro, tal reflecte-se, em maior ou menor grau, no conjunto da economia, incluindo nos empréstimos bancários, nos empréstimos a nível do mercado, no crédito à habitação, nas taxas de juro dos depósitos bancários e em outros instrumentos de investimento.

O aumento das taxas de juro por si só não resolverá todos os problemas causados pela crise, ou seja, não tornarão os produtos energéticos importados mais baratos, não encherão as prateleiras vazias dos supermercados, nem farão chegar os materiais ou as peças aos fabricantes. O que as taxas mais elevadas farão é manter as expectativas de inflação sob controlo.

“A repercussão das taxas de juro do banco central nas taxas de financiamento das empresas e das famílias, ou seja, a transmissão monetária é muito complexa e não conhecemos bem a sua amplitude nem a sua velocidade no nosso caso”, explica Carlos Burgo. “Um factor limitativo dessa transmissão é, desde logo, o facto de haver no nosso caso, tanto antes como agora, um significativo excesso de liquidez, isto é, de moeda do banco central. Outrossim, as intervenções do banco central na esterilização desse excesso são muito limitadas, o que diminui o significado da taxa directora”.

“As medidas extraordinárias – a nível das taxas de juro e da facilidade de financiamento de longo prazo – adoptadas para conter os efeitos da pandemia tiveram um efeito limitado nas taxas de financiamento das empresas e famílias”, refere o economista. “O efeito maior ocorreu nas taxas da dívida pública que baixaram grandemente. Baixaram também significativamente as taxas de remuneração dos depósitos bancários. Os bancos – as principais instituições de financiamento no nosso país – viram, deste modo, as suas margens de intermediação alargarem-se”.

“Neste novo contexto de subida – ainda pouco expressiva – das taxas de juro do banco central, os bancos têm almofadas que lhes permitem aumentar as taxas de depósito e atrair funding e não estarão tão pressionados para aumentar as taxas que cobram no financiamento dos seus clientes”, diz Burgo. “Se, pela via de intervenções de fundo se conseguir fazer baixar o risco na economia, pode ser suavizado o impacto a nível do financiamento, tanto mais que o Estado se propõe assumir parte do risco em algumas operações”.

“O impacto maior da subida da taxa de juros deverá ocorrer na dívida pública, onde há manifesta necessidade de uma significativa correção”, conclui o antigo governador do Banco Central. “Com isso, aumentará o serviço da dívida pública interna que conheceu nos últimos anos uma rápida expansão. Face ao resultante agravamento das restrições orçamentais, a garantia da expansão e da qualidade dos serviços públicos dependerá da obtenção de ganhos de eficiência nas despesas do Estado”.

O que esperar da economia

Após o crescimento excepcional de 2022 – 17,7% de acordo com as estimativas do INE – o BCV projecta que o desempenho da economia retome o percurso de crescimento à volta do seu potencial. Para os primeiros meses, e ao longo de todo o ano de 2023, espera-se que a economia cabo-verdiana continue a crescer com o fortalecimento da procura externa, particularmente, da procura turística, mas de forma mais moderada, limitada pela inflação e pela esperada normalização da política monetária pelo banco central.

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“O desempenho da economia nacional para 2023 está condicionado pela desaceleração do crescimento mundial, pelos níveis ainda elevados da inflação, pelo aperto das condições de financiamento, bem como, pela retirada gradual das medidas orçamentais implementadas para minimizar os efeitos dos elevados preços da energia e dos produtos alimentares de primeira necessidade”, disse o Governador do BCV, Óscar Santos, na apresentação do Relatório de Política Monetária.

O crescimento anual do PIB real deverá desacelerar para 4,1 por cento em 2023, e aumentar para os 5,3 por cento em 2024. Já a taxa de inflação média deverá reduzir, podendo atingir os 4,9 por cento em 2023 e os 2,2 por cento em 2024, devido, sobretudo, à esperada redução dos preços da energia. “A resolução gradual dos estrangulamentos da oferta e das pressões sobre os custos de produção e o aperto da política monetária e das condições de financiamento poderão, também, contribuir para a queda dos preços em 2023 e 2024”, afirmou ainda Óscar Santos.

O fortalecimento da procura turística e das exportações de serviços, o aumento das remessas de emigrantes (ainda que mais moderado), bem como a esperada melhoria dos termos de troca no contexto de redução gradual dos preços das importações (em linha com a evolução esperada da inflação importada), deverá melhorar o défice da balança corrente para os 2,4 por cento do PIB em 2023 e 1,7 por cento do PIB em 2024.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1119 de 10 de Maio de 2023. 

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Autoria:Jorge Montezinho,13 mai 2023 9:20

Editado porJorge Montezinho  em  6 fev 2024 23:28

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