O quadro poderá revelar-se ainda pior para a Europa se a tendência actual de travagem do ritmo de crescimento se agravar com as incertezas geradas pelo Brexit, as tensões sobre o Euro vindas da Itália e a persistência da instabilidade na França. Considerando a proximidade da economia nacional à Europa, não é difícil adivinhar as consequências para Cabo Verde de uma conjuntura globalmente menos promissora e particularmente má para os países europeus de onde partem os fluxos que alimentam o turismo nacional.
A economia cabo-verdiana entrou numa trajectória de crescimento desde o último trimestre de 2015 atingindo taxas de crescimento do PIB de 4,7 % em 2016, 4,0 em 2017 e prevê-se 4,5 em 2018. O crescimento dos últimos anos apesar de contrariar as taxas à volta de 1,5% dos anos anteriores ainda não atingiu o mínimo de 7% desejável para colocar o país no caminho do desenvolvimento com impacto geral sobre o emprego, os rendimentos e a qualidade de vida dos caboverdianos. A conjuntura económica global e em particular da Europa tem sido favorável e já propiciou aumento nas exportações de bens e serviços e também no turismo que se tem revelado o principal motor de crescimento. A perspectiva do advento de tempos menos bons deve aumentar o nível de alerta de todos e em particular dos governantes quanto à urgência das reformas para elevar o potencial de crescimento, melhorar a competitividade e aumentar a produtividade. Christine Lagarde aconselha que face à conjuntura pouco favorável se aumente a resiliência aos choques externos com reformas, com uma gestão mais criteriosa dos recursos públicos e com investimentos dirigidos para mais crescimento. Insiste também na necessidade de maior inclusão para melhor se aproveitar as promessas da revolução digital em curso no mundo inteiro. A pertinência desses conselhos para Cabo Verde é por demais evidente.
Mais um ano de seca veio relembrar as vulnerabilidades do país e a precariedade da vida das populações nas zonas rurais. A insistência por demasiados anos num modelo económico que favorecia a reciclagem da ajuda externa e praticamente hostilizava a iniciativa privada, a atracção do investimento externo e a promoção do turismo não podia deixar de ter graves consequências. Perpetuou situações de pobreza e desesperança em vários pontos do país. E não se verificou a transformação da economia que deveria, por um lado, conduzir a uma agricultura mais produtiva, fornecedora de produtos de maior valor acrescentado e ligada a mercados, e, por outro, dirigir um número cada vez maior de pessoas para os sectores de maior produtividade na indústria e serviços.
O problema é que mesmo hoje não parece que, como colectivo, se tenha real consciência das consequências das opções do passado. Continua-se a querer mobilizar mais água sem que se explicite que agricultura praticar e que mercados atingir. Quer-se desenvolver o turismo e ao mesmo tempo fixar as populações no mundo rural. Entrementes as migrações acontecem porque o emprego está onde há investimento externo e desastres urbanos como as barracas acontecem e as pessoas sofrem porque, em matéria de políticas públicas, as prioridades estão trocadas. Promovem-se panaceias em workshops, fóruns e conferências para dar ideia de que algo vai mudar quando, de facto, as coisas continuam praticamente o mesmo. Mexe-se no lado da oferta porque é politicamente mais fácil e conveniente – os anúncios de milhões, as linhas de crédito abertas, as obras financiadas por doações e empréstimos concessionais – mas falha-se em antecipar que os mercados precisam ser desenvolvidos, regulados e às vezes complementados com intervenção pública estratégica. Demonstra-se que, apesar das promessas reiteradas de mudança, a administração pública continua a se fixar nos processos sem preocupação com os resultados e com o nível de serviço prestado ao cidadão e ao utente. Teima-se em não explorar a flexibilidade que abordagens diferentes em relação às ilhas poderiam propiciar na procura de vias para melhor ligar o país à economia mundial. E também em experimentar formulas outras de administrar o território que não repetissem a cultura centralizadora e burocratizada predominante. Pelo contrário, propõe-se que se aplique de Santo Antão à Brava a forma encontrada para a regionalização, sem se importar com as especificidades das ilhas.
A rigidez na implementação de políticas, consequência do modelo económico rentista e também de um certo tipo de exercício de poder que quando forçado a escolher entre “desenvolver” e “controlar” sempre optava por “controlar”, só podia fazer de Cabo Verde um país de oportunidades perdidas. Mesmo perante a realidade da perda progressiva da ajuda externa, a tendência foi agarrar-se a sucedâneos. As negociações na concretização de investimentos na Boa Vista e no Sal nem sempre foram devidamente preparadas. O resultado é que os investimentos públicos avultados exigíveis não se mostraram suficientes e muita carga para se manter o destino competitivo teve que ser arcada pelas pessoas vindas das outras ilhas que depois se deparavam com problemas não resolvidos de habitação, de sanidade pública, de saúde e de segurança e com preços inflacionados. Não estranha que com esta atitude também não houvesse muita preocupação em assegurar que o turismo tivesse um real efeito de arrastamento sobre o resto da economia nacional.
De 2001 a 2016 a ilha de São Vicente só beneficiou de 3% de todo o investimento directo estrangeiro chegado a Cabo Verde. Este facto é elucidativo do descaso das autoridades sobre a economia da ilha e também do país. Em São Vicente o Estado não precisa fazer tanto investimento público para acomodar investimento privado. Já existe em energia, água, rede de esgoto, porto e aeroporto e o défice do parque habitacional não é tão grande como noutras ilhas. População não falta e facilmente pode absorver trabalhadores vindos de outras ilhas. Outrossim, o efeito de arrastamento na economia local, na economia das ilhas vizinhas e no conjunto da economia nacional é mais facilmente conseguido do que em qualquer outro sítio. Com a participação no PIB nacional a diminuir – 15,9% em 2015 e 14,8 % em 2016 segundo os dados do INE – pergunta-se por que então não se fizeram esforços necessários de atracção de investimento para a ilha que beneficiaria extraordinariamente todo o país. Provavelmente falta de visão. Talvez as nuvens escuras que pairam sobre a economia mundial, os avisos de Christine Lagarde e as secas repetidas contribuam desta vez para finalmente se focar no que urgentemente se deve fazer para pôr o país no caminho que o leve ao desenvolvimento, reduza a vulnerabilidade das pessoas e propicie um futuro para todos.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 895 de 23 de Janeiro de 2019.