Amílcar Cabral e o Cabralismo: uma perspectiva crítica

PorJosé Fortes Lopes,27 set 2024 17:29

​O centenário do nascimento de Amílcar Cabral (A.C.), que ocorre este ano, tem gerado ao longo do ano uma quantidade significativa de debates e artigos de opinião, tanto em Cabo Verde como em Portugal, com as comemorações atingindo o seu auge hoje dia 12 de setembro de 2024, a data do seu nascimento. No entanto, muitos das intervenções estão enraizadas num discurso datado, e têm refletido uma visão centrada nos conceitos dos anos 60 e 70 do século passado, em vez de considerar a problemática a partir de uma perspectiva mais moderna, consentânea com os valores democráticos do século XX e XXI. As manifestações comemorativas tendem a glorificar ou a beatificar A.C., sem, no entanto, abordar as contradições e as inconsistências do cabralismo. Promover um debate mais equilibrado e crítico sobre o legado de A.C. é fundamental do ponto de vista histórico.

Em primeiro lugar, isso permite uma compreensão mais ampla e matizada da história, indo além de narrativas simplistas que podem glorificar ou demonizar figuras, sem levar em conta o contexto em que atuaram. Em segundo lugar, tal debate contribui para o desenvolvimento do pensamento crítico, especialmente em países onde a pluralidade de ideias é limitada e o debate contraditório não é incentivado. Quando o nível cultural é baixo e a educação não estimula a reflexão crítica, a história corre o risco de ser instrumentalizada para reforçar ideologias ou narrativas únicas. Isso pode infantilizar a sociedade e prejudicar a sua capacidade de aprender com o passado e de evitar erros semelhantes no futuro. Assim, abrir espaço para discussões complexas sobre o legado de A.C. ou qualquer figura histórica, ajuda a fomentar uma sociedade mais informada e capaz de questionar, interpretar e contextualizar os factos de maneira mais crítica. Além disso, a crítica ao legado de tais figuras, pode ser um passo importante para curar feridas históricas e promover uma reconciliação, desde que baseada em diálogo honesto e uma avaliação equilibrada dos impactos positivos e negativos de suas ações. Isso inclui a consideração das lições que podem ser extraídas tanto dos sucessos como das falhas do cabralismo (movimento inspirado por A.C.), bem como aspectos que enformaram o futuro da democracia emergente de Cabo Verde.

Nesse sentido, o meu objetivo é analisar o legado de A.C. a partir de uma perspectiva alternativa, à luz dos princípios atuais da democracia liberal.

A análise crítica do cabralismo deve ter em conta tanto as suas contribuições quanto as suas limitações, mostrando o quão imperioso ajustar as ideologias e políticas às realidades especificidades locais e contemporâneas.

Este ensaio está estruturado em quarto partes: a primeira examina o pensamento revolucionário de A.C., e a sua adaptação do socialismo revolucionário às condições africanas; a segunda parte do ensaio examina questões relacionadas com a legitimidade do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), fundado por Amílcar Cabral, e a sua evolução para o PAICV (Partido Africano da Independência de Cabo Verde), após a independência. Esta análise inclui uma discussão sobre até que ponto o PAIGC e seu sucessor poderiam ser considerados os legítimos representantes das aspirações do povo cabo-verdiano (ou mesmo melhores filhos, libertadores e pais da nação, como pretendem), desde a criação do partido nos anos 1960 até a independência de Cabo Verde em 1975, quando o território ainda estava sob administração portuguesa, numa altura em que os poderes e elites locais cabo-verdianas (consideradas ‘coloniais’ pelo cabralismo) já se tinham estabelecido, ancorado e estabilizado num território com 500 anos de história. A seção também aborda as implicações do projeto utópico de unidade Cabo Verde e Guiné-Bissau, defendido por A.C. Esse projeto falhado, que visava integrar os dois países numa união política pós-independência, levanta questões complexas sobre viabilidade e identidade nacional, incluindo tensões entre a identidade cabo-verdiana e a guineense, e como isso influenciou as políticas na época, dado que as realidades políticas, sociológicas e culturais entre Cabo Verde e Guiné-Bissau eram bastantes distintas e distanciadas geograficamente, realidades que seriam do conhecimento de A.C. e do seu movimento; A terceira parte do ensaio avalia o impacto do cabralismo no processo de centralização do poder no período pós-independência de Cabo Verde, destacando as suas consequências no sistema político e no desenvolvimento socioeconómico do arquipélago. Esta seção explora como os princípios e a ideologia de A.C. moldaram a estrutura de poder no novo Estado cabo-verdiano, mesmo após o advento da democracia liberal, com especial atenção ao papel do PAICV e dos seus sucessores na consolidação do poder centralizado. Também aborda a questão de como essa centralização gerou desafios, especialmente em termos de pluralidade política e inclusão de diferentes setores da sociedade, os impactos da mesma na economia do arquipélago, e como moldou a trajetória do país em termos de governança, economia e relações sociais. A quarta parte apresenta uma conclusão geral.

Com base nessa introdução, as quatro partes do ensaio devem oferecer uma análise aprofundada dos desafios e contradições do cabralismo, bem como as implicações políticas de longo prazo para Cabo Verde.

As quatro partes do artigo serão publicadas na íntegra que podem ser lidas aqui Parte IIParte IIIParte IV

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1191 de 25 de Setembro de 2024.

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Autoria:José Fortes Lopes,27 set 2024 17:29

Editado porAndre Amaral  em  27 set 2024 20:20

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