Oito vítimas em 2018, onze em 2017, quinze em 2014 e dezanove em 2012. A queda registada nos números dos feminicídios em Cabo Verde acompanha a diminuição dos casos de VBG.
O Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade do Género (ICIEG) apresentou, na passada segunda-feira, o estudo que tem como principal meta, de entre outros objectivos, facilitar a articulação das acções de prevenção ao feminicídio. Por outro lado, pretende-se ajudar na melhoria e alargamento dos serviços de apoio às vítimas de violência baseada no género (VBG) e no fortalecimento de respostas institucionais, tanto governamentais, como não governamentais.
A violência baseada no género constitui uma violação dos direitos humanos e é um obstáculo para o desenvolvimento de qualquer sociedade democrática. É universal, e desde 2003 reconhecida pela Organização Mundial de Saúde, como um grave problema de saúde pública. É fruto de um sistema de relações sociais que atribui papéis diferentes a homens e mulheres, colocando a mulher em uma posição de subordinação e inferioridade face ao homem e gerando relações sociais, económicas e culturais historicamente desiguais.
As mobilizações iniciais para combater a violência baseada no género em Cabo Verde levaram o país a ratificar diversos instrumentos internacionais, como a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (CEDAW), a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, a Convenção das Nações Unidas sobre Direitos da Criança e o Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos relativo aos Direitos da Mulher em África, dentre outros, que rapidamente deram lugar à formulação do Plano Nacional de Combate à Violência Baseada no Género (PNVBG), aprovado em Conselho de Ministros em 2007 e implementado no período 2007- 2009.
O Plano operacionalizou um dos eixos estratégicos do Plano Nacional de Igualdade e Equidade de Género (PNIEG 2005-2011), o do combate à violência baseada no género, e a sua implementação, numa estreita parceria com organizações da sociedade civil, culminou na elaboração e aprovação da Lei Especial contra Violência Baseada no Género em 2010, sua publicação em 10 de Janeiro de 2011 e entrada em vigor em 11 de Março do mesmo ano. A Lei 84/VII/11 de 10 de Janeiro – que estabelece as medidas destinadas a prevenir e reprimir o crime de violência baseada no género (Lei VBG), considera a violência baseada no género como uma violação de direitos humanos e um obstáculo para alcançar a igualdade de género. Estabelece as responsabilidades do Estado em matéria de prevenção, assistência, protecção e repressão, definindo os direitos das vítimas e as medidas de reabilitação para os autores da violência.
A Lei n°84/VII/2011 de 10 de Janeiro – Lei que estabelece as medidas destinadas a prevenir e reprimir o crime de VBG em Cabo Verde, absorve os principais elementos definitórios e reforça a dimensão de género do quadro de relações sociais que subjazem a prática de crimes de VBG. O artigo 3º define a VBG como: “Todas as manifestações de violência física ou psicológica, quer se traduzam em ofensas à integridade física, à liberdade sexual, ou em coacção, ameaça, privação de liberdade ou assédio, assentes na construção de relações de poder desiguais, designadamente pelo ascendente económico, social, cultural ou qualquer outro, do agressor relativamente ao ofendido”. A alínea a) do mesmo artigo define o termo género como sendo “representação social do sexo biológico, determinado pela ideia das tarefas, funções e papéis atribuídos às mulheres e aos homens na sociedade e na vida pública e privada, bem como da relação que se desenvolve entre eles.”
A VBG pode ser praticada sobre ambos os sexos, desde que seja praticada por causa das representações sociais do que é ser homem e do que é ser mulher. Embora a VBG possa ser praticada por e contra ambos os sexos, a VBG praticada contra pessoas do sexo masculino tem natureza diferente da natureza da violência contra as mulheres, pois vai no sentido de reforçar os estereótipos masculinos, pressionando os homens para que assumam e desempenhem papéis atribuídos socialmente aos homens, tanto no espaço público quanto no privado.
Este é um dos enfoques abordado pelo sociólogo Redy Lima [ver entrevista], consultor do estudo feito pelo PNUD, a “cultura da hipermasculinidade” que faz com que os homens matem mulheres quando é posta em causa a honra e a posse. É preciso, neste caso, trabalhar os homens enquanto agressores, mas também como vítimas de um sistema que os subjuga e que os obriga a mostrar a masculinidade.
Pelo menos 87 mil mulheres foram assassinadas, no mundo, em 2017, segundo dados avançados pelas Nações Unidas. El Salvador lidera as estatísticas de assassínios de mulheres, com 13,9 mortes em cada 100.000 habitantes, seguido da Jamaica, com 11 mulheres mortas por cada 100.000 habitantes e a República Centro-Africana, que registou 10,4 mortes por cada 100.000 habitantes.
Por continentes, a Ásia é o que detém o registo do maior número de mulheres mortas (20.000) pelos cônjuges ou familiares em 2017, seguida de perto pelo continente africano (19.000), e pela América do Norte, Central e do Sul (8.000), Europa (3.000) e, finalmente, pela Oceânia (300), segundo a UNODC.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 939 de 27 de Novembro de 2019.