PAICV avança com moção de censura ao governo

PorAndré Amaral,11 jul 2023 12:06

Alegações de falta de transparência na gestão dos recursos públicos levam PAICV a avançar com uma moção de censura ao governo. MpD fala em “exagero e populismo”. Moção de censura ao governo é discutida na sexta-feira.

No documento a que o Expresso das Ilhas teve acesso, o PAICV fundamenta a sua decisão de avançar para uma moção de censura ao governo com o facto de o governo não ter cumprido com “a promessa de incrementar a eficiência e a transparência do Estado”.

A Administração Pública, prossegue o PAICV no documento que já foi entregue à Assembleia Nacional, “tende a ser vista, cada vez mais, como fonte de retribuição de favores políticos e um sério impedimento ao desenvolvimento económico e social do país”.

“A falta de transparência na gestão dos recursos públicos, hoje, é generalizada em Cabo Verde, com todas as nefastas consequências para o erário público e para os contribuintes”, alega o PAICV.

Para reforçar as suas alegações o PAICV recorre às privatizações realizadas por este governo que, diz, “espelham bem a falta de transparência na gestão dos recursos dos cabo-verdianos e as suas consequências desastrosas para o erário público”.

Entre os casos de alegada gestão intransparente por parte do governo estão a privatização dos TACV, a concessão dos transportes marítimos interilhas, a concessão dos aeroportos, a auditoria às contas da covid-19, a gestão dos fundos do Turismo e do Ambiente e a venda de património de Cabo Verde nos Estados Unidos “por um valor substancialmente inferior ao preço da avaliação”.

Em relação à companhia aérea o PAICV classifica a actuação do governo como “um falhanço” no que respeita ao processo de “reestruturação e privatização” da empresa e que a sua retirada das operações domésticas “foi um erro” que resultou no estabelecimento “de um monopólio” que é agravado, segundo o PAICV, “pela inexistência de qualquer acordo sobre a obrigação de serviço público mínimo”.

No que respeita aos transportes marítimos interilhas e à sua concessão feita “por ajuste directo”, o maior partido da oposição alega que no sector se verifica uma cada vez menor regularidade, previsibilidade, “menos respeito pelos utentes e preços cada vez mais proibitivos”.

Relativamente à concessão dos aeroportos “importa ter presente que cerca de 86% dos mais de 4.300 aeroportos existentes no mundo foram construídos e são geridos pelo sector público”, aponta o PAICV.

Ainda em relação a este negócio o PAICV diz defender que “todo o processo negocial deve ser conduzido, em toda a linha, de forma transparente e em defesa dos superiores interesses da nação”.

Já no que respeita à auditoria às contas da covid o partido liderado por Rui Semedo refere que o relatório evidencia “situações graves de intransparência, irregularidades e atropelos à lei”.

Quanto aos fundos do Ambiente e do Turismo, o PAICV aponta, entre outras situações, para situações de pagamentos indevidos, financiamento de projectos com valores superiores a 192 mil contos sem que tenha havido celebração de contratos de financiamento.

Exagero e populismo

Em reacção à apresentação da moção de censura, o líder parlamentar do MpD, Paulo Veiga, não hesitou em falar de “exagero e populismo” por parte do PAICV.

Instado pelo Expresso das Ilhas a reagir, o líder parlamentar do partido que sustenta o governo não hesitou em dizer que “como no debate sobre transparência com o primeiro-ministro eles não se saíram bem, agora o PAICV está a lançar mão de todos os instrumentos”.

“É de lamentar, mas iremos a debate mais uma vez e iremos demonstrar aos cabo-verdianos que estamos tranquilos e que o governo tem todas as condições para continuar a governar Cabo Verde até 2026”, acrescentou o líder parlamentar do MpD que garantiu que a “moção não será aprovada”.

“O que o PAICV está a fazer é politiquice e populismo. Eu, no meu discurso no 5 de Julho, falei desses perigos e está a comprovar-se”, concluiu.

Sem tradição

A moção de censura é uma arma a que os partidos cabo-verdianos não têm recorrido desde a instauração da democracia no país. Apenas por uma vez, em 2006, foi apresentada uma moção de censura ao governo.

Na altura o MpD, então na oposição, avançou com uma moção de censura justificada pelo facto de o governo de então, liderado pelo PAICV ter demorado em avançar com medidas legislativas que impedissem o aumento do preço de um conjunto de bens essenciais.

Medidas que deveriam, segundo o MpD, ser tomadas na sequência de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que determinou a inconstitucionalidade de três decretos-lei aprovados em Conselho de Ministros em um ano sobre os chamados “mecanismos cruzados” de aplicação da taxa do IVA sobre produtos sujeitos a preços aplicados por entidade administrativa.

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O que pode levar à queda de um governo?

Nos dois artigos seguintes são definidas, na Constituição da República, as condições para a apresentação de uma moção de censura e também para a demissão do governo.

Artigo 201º

1. A Assembleia Nacional pode, por iniciativa de um quinto dos Deputados ou de qualquer Grupo Parlamentar, votar moções de censura ao Governo sobre a sua política geral ou sobre qualquer assunto de relevante interesse nacional.

2. A moção de censura tem de ser fundamentada.

3. A moção de censura só pode ser apreciada no terceiro dia seguinte ao da sua apresentação, em debate de duração não superior a quatro dias.

4. Se a moção de censura não for aprovada, os seus signatários não poderão apresentar outra durante a mesma sessão legislativa.

Artigo 202º

1. Implicam a demissão do Governo:

a) O início de nova legislatura e a dissolução da Assembleia Nacional;

b) A aceitação pelo Presidente da República do pedido de exoneração apresentado pelo Primeiro-Ministro;

c) A morte ou a incapacidade física ou psíquica permanente do primeiro-ministro;

d) A não submissão à apreciação da Assembleia Nacional do seu programa ou a não apresentação, juntamente com este, da moção de confiança sobre a política geral que pretende realizar;

e) A não aprovação de uma moção de confiança;

f) A aprovação de duas moções de censura na mesma legislatura.

2. O Presidente da República pode demitir o Governo no caso de aprovação de uma moção de censura, ouvidos os partidos representados na Assembleia Nacional e o Conselho da República.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1128 de 12 de Julho de 2023. 

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Autoria:André Amaral,11 jul 2023 12:06

Editado porClaudia Sofia Mota  em  6 abr 2024 23:26

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