Começando por um parêntesis pessoal e olhando 2024. Em Julho, desvinculou-se do seu partido de sempre, o PAICV. Porquê?
Como primeira nota, devo dizer que a minha posição sobre a política cabo-verdiana nunca foi neutra. Sempre fui um sujeito da questão política. Não sendo neutro, procuro ser o mais isento que puder. Dito isto, acho que os partidos políticos são espaços de adesão voluntária. Estamos num partido por escolha e motivados pela gratidão, pela a amizade e, por isso, devemos ter o conforto de estarmos a contribuir para um bem maior. Não nos reformamos pelos partidos e tão pouco os partidos pagam os nossos salários. Os partidos são edifícios que construímos com muito esforço, comportando muitas vezes sacrifícios pessoais. No PAICV, houve uma direcção que entrou em 2016 que desbaratou todos os fundamentos e as causas matriciais do Partido. Entrou uma presidente que não tem os mínimos para gerir um partido de causas e com história. Porque apenas pode cuidar de causas quem as tem e não quem reduz tudo a tácticas de curto de prazo, introduzindo lógicas de mercearia na gestão de um grande partido como o PAICV. A direcção que surgiu em 2015, introduziu lógicas prebendárias, compra de consciências internas, desprezo pelo percurso de antigos militantes e perseguiu ostensivamente todos os que não liam pela cartilha que procurou introduzir no PAICV. Terá sido a pior gestão de sempre do PAICV desde a sua fundação e naturalmente esta direcção não tinha condições para triunfar. Era a primeira vez que o PAICV estava a ser governado por alguém que desconhecia em absoluto todos os princípios do partido, que ignorava o seu passado, que vilipendiava os quadros. Aquela presidente fez do PAICV um campo hostil, com guerras e disputas permanentes, de disputas a céu aberto, que desprezam o consenso e a convergência. O PAICV naquele período virou um partido onde alguém quer vencer alguém permanentemente. E mesmo quando por incompetência de gestão política, falhava redondamente, arranjava desculpas, contornava através de lógicas absolutamente doentias as derrotas, vitimizava-se para poder sair por cima. Foi um mau período para o partido e ainda hoje vivem-se as sequelas de uma gestão desastrosa. Veja que o Presidente rui Semedo acabou, por arrastamento, por ser atacado por esta tal figura que continuou a manipular com toda a desfaçatez. O grupo parlamentar do PAICV não conseguiu eleger uma liderança porque esta senhora não quer. Ela move-se numa lógica antropofágica em que, se não é consultada, procura secar todas as vontades à volta. Paradoxalmente, há quem fale do legado da senhora cujo único feito foi detonar por dentro este grande partido. É claro que dá sempre a volta por cima, inventando histórias mirabolantes como aquela em que nós nos opusemos à estratégia dela por que queríamos cargos públicos. O que me desconfortou é que mesmo entre os senadores do PAICV, alguns apoiaram esta saga desastrosa que se abateu sobre o partido de Cabral. É neste contexto absolutamente tóxico que tomei a decisão de suspender a minha condição de militante, porque entendo que a nossa dignidade está acima de qualquer partido político. A presidente que assumiu a partir de 2015 fez-se chefe, procurou secar todos que se lhe opunham, montou uma máquina de arrivistas que, pela calada da noite, maltratavam alguns militantes com percurso e provas dadas no PAICV. Espero que se possa virar de vez esta página que tanto mal causou ao PAICV. A minha saída tem a ver com esta gestão daninha e não com a defesa das causas fundamentais do PAICV. O Partido tem bons quadros e militantes comprometidos, vai a tempo de arrepiar este caminho e o presidente Rui Semedo deu uma contribuição grande para a estabilização. Deixou as bases para que o partido possa entrar na avenida larga e voltar a merecer a confiança dos cabo-verdianos.
Falando agora num panorama geral, no ano passado, por esta altura, perguntava-se a um entrevistado: “2023 foi um ano de instituições de costas voltadas. Como é que será 2024?” A pergunta é hoje ainda mais pertinente. Então, como será 2025?
Eu não sou um optimista em relação à estabilização do campo político neste novo ano. Não há nenhum sinal em como esta pode ocorrer. 2025 será o ano de todas as ansiedades. Quando a ansiedade aumenta, os conteúdos, as políticas de natureza estratégica para o país acabam sacrificados. A classe política olhará para as questões de curto prazo o que tem muitos custos para um pequeno país como Cabo Verde. Vamos entrar num período pré-eleitoral em que o pensamento estratégico cede lugar a lógicas de curto prazo, naturalmente mais interesseira, mais oportunista. Não deixa de ser todavia um grande paradoxo: 2025, se atentarmos às dinâmicas internacionais nomeadamente, deveria ser um ano de grandes consensos e o país devia fugir das cegueiras que normalmente ocorrem quando olhamos para as nossas agendas pessoais e descuidamos das preocupações para com o País. O que o país precisa e que, no meu ponto de vista, não acontecerá em 2025 é de grandes consensos. Cabo Verde tem de se livrar da política imediatista, das estratégias e do tacticismo de curto prazo. Era fundamental pensarmos aprofundadamente o país. Era preciso colocar Cabo Verde na centralidade do essencial das preocupações dos líderes políticos. Não sou muito optimista porque os grandes consensos, em regra, conseguem-se em períodos de normalidade. Que dados um cidadão cabo-verdiano tem neste momento que lhe sugerem consensos sobre o país? Se nos períodos de acalmia, a exacerbação e o extremar de posições impediram consensos importantes, como, por exemplo, a eleição dos cargos externos ao parlamento, que razões explicariam consensos em períodos pré-eleitorais? 2025, no plano estritamente político não será bom para o país.
O dissenso vai manter-se?
Não digo mal da política nem dos políticos, aliás tenho defendido a nobreza da política enquanto causa pública, mas todos lemos os sinais, e estes sinalizam para 2025 mais disputas, agendas pessoais, questiúnculas políticos sem qualquer interesse para os cabo-verdianos, dissensos permanentes entre os partidos políticos. Cabo Verde tem dois partidos do arco do poder. Estes dois partidos à partida deviam abstrair-se daquela lógica pequena e das tácticas de curto-prazo para se entenderem à volta das grandes questões nacionais, o que não tem sido possível. O Parlamento não foi capaz de chamar a si a formulação de grandes consensos à volta, por exemplo, da eleição dos órgãos externos. Todos os órgãos externos estão pendurados, com mandatos caducados. Não vejo porque é que o Parlamento tem de deixar esta questão para o Directório dos Partidos Políticos. Porque não chama a si a formulação deste consenso nacional. Os consensos devem acontecer no Parlamento e não nos directórios dos partidos. Temos as coisas invertidas e como os partidos, regra geral funcionam mal e se sujeitam a lógicas politiqueiras, as instituições sofrem revisões em baixa tal qual os estudos provam. Não assumindo claramente a função enquanto espaço por excelência de formulação de consensos, não se poderá depois estranhar que os cabo-verdianos avaliem mal as instituições. Por que carga d’água é que o Parlamento não lidera de forma clara e inequívoca e produção dos consensos e se sujeita à arrogância do directório dos partidos? Porque é o país se verga perante as tácticas absurdas dos directórios dos partidos? Então reformemos esta democracia. Porque se ela emperra quase tudo no altar da arrogância dos líderes políticos temos de poder alterar este estado das coisas. Os partidos, querendo podem olhar apenas para o seu umbigo. Mas as instituições não. Estas têm de servir o país. Os assuntos da República não podem ser deixados para os directórios dos partidos políticos, porque estes têm outras lógicas. É fundamental corrigir isto. Veja, neste ano todos os partidos vão-se entreter em escolher os líderes e os outros devaneios e o país não pode ficar com o ónus destas causas pequenas e ficar à mercê destas brincadeiras. O país é assunto sério e infelizmente os partidos por vezes esquecem-se disto. A quem aproveita estas quezilas e esta “puxa-puxa”, sobre a liderança dos partidos? Mas quem manda parar esta garotada toda que se acha dono disto tudo? Porque é que este assunto das lideranças internas congelam as estratégias de longo prazo do nosso desenvolvimento? O dissenso levado ao extremo e que não consegue colocar os pilares da república em primeiro plano, prejudica o edifício democrático. E o edifício pode cair. A república tem pilares e isto é assunto sério. Os parlamentares não podem continuar com a retórica destrutiva sobre os pilares da democracia. É verdade que os partidos políticos são a espinha dorsal na conformação da vontade popular e tenho respeito por isso. Mas têm de ser sérios, responsáveis, com causas, com a centralidade nos problemas do país e dos cabo-verdianos. Os partidos são importantes, mas as instituições da República também são. Nós temos uma boa tradição democrática e estas foram-se amadurecendo e consolidando ao longo do tempo. Não podemos deixar que seja enfraquecida. O diferencial que temos, e do qual nos orgulhamos quando nos comparamos com outros países africanos, é o facto de termos instituições que funcionam. Então, por que razão estamos agora a permitir que os directórios dos partidos políticos tomem decisões em nome das instituições?
Ainda falando de partidos. Tivemos as eleições autárquicas. Como vê os resultados? Foi o PAICV que ganhou ou o MpD que perdeu?
As eleições autárquicas deram vários sinais. Naturalmente, alguns partidos terão mérito, outros deméritos. O resultado destas eleições, os compromissos, a comunicação, a seriedade das proposições e decide. Naturalmente todos notamos quedas de tendências, mas neste ano e meio das eleições legislativas os partidos têm toda a latitude para estudarem os aspectos que correram bem e outros que correram mal. Ou seja, estas eleições autárquicas não condenaram ninguém e todos têm espaços para ou mitigar os estragos ou consolidarem as estratégias bem-sucedidas. Não se pode negar que estas eleições avaliaram também as políticas nacionais em curso, nomeadamente a acção governativa. O Governo, por exemplo, deve procurar analisar, a meu ver, o paradoxo entre os bons indicadores existentes e reconhecidos no plano externo e o desconforto e a avaliação interna negativa, expressa por exemplo no último estudo de opinião realizado. Acho que estes estudos recentes devem ser lidos com cuidado porque podem ser tão estruturantes como as eleições autárquicas que foram realizadas. Portanto, eu acho que estas eleições não definiram nenhum quadro entrópico ou desgraças para os partidos, mas deram sinais e linhas de trabalho político para os próximos tempos. Estas eleições não sinalizaram “tapetes vermelhos” para quem que seja. Por outro lado, estas eleições despertam muitos apetidos. Veja-se o cúmulo de alguns candidatos se terem posicionado já na noite do anúncio dos resultados eleitorais. Há um grande excesso de ansiedades. Como é que alguém se encoraja, por exemplo, a anunciar uma candidatura ao cargo de presidente de um partido, que é liderado por uma outra personalidade, que na altura sequer havia dito que não ia se candidatar? Peço desculpas, só um desmesurado “cio político” permite tamanha deselegância. Mas parece que a ansiedade se sobrepõe ao pudor e às regras de boa convivência entre pessoas do mesmo partido. Cabo Verde é um país frágil. Não é a democracia que está a ser mal avaliada. É o desempenho que está a ser mal avaliado, a postura, os compromissos ou falta deles que estão a ser avaliados. Temos um país que construiu uma democracia elogiada e que orgulha a todos, mas ao mesmo tempo os cabo-verdianos avaliam negativamente o desempenho dos titulares de cargos políticos. Isto deve preocupar a todos os líderes e devia motivá-los a uma reflexão em alta dos assuntos internos.
As autárquicas já estão a ter impacto nos partidos. Francisco Carvalho e Nuías Silva, que venceram na Praia e em São Filipe, já anunciaram ser candidatos à liderança do PAICV. [E também o deputado Francisco Pereira].
2025 pode ser um “ano terrível” não tanto para os partidos, mas para o próprio país se os interesses nacionais não forem colocados acima e afora das questiúnculas partidárias. As pessoas não podem esquecer que os consensos são também democráticos e constituem uma boa escola. Os que têm a disponibilidade para serem candidatos deviam procurar cuidar do país e não das agendas particulares. O que posso dizer é que os candidatos não devem esquecer que há sempre um amanhã que se quer melhor do que hoje e que os partidos sobrevivem aos homens que circunstancialmente assumem lideranças políticas. Considerei inoportuna e falta de tato político os anúncios que se fizeram sem que antes o Rui Semedo tivesse anunciado a sua não recandidatura. Saúdo aqueles que o fizeram depois porque se mostraram respeitosos para com o ainda actual presidente do PAICV. E já o disse antes, Rui Semedo com esta retirada, independentemente de outras leituras que couberem, deu um sinal forte de magnanimidade. As ansiedades não podem ficar à solta, despudoradamente. O PAICV deve, a meu ver, combater os posicionamentos populistas, retrógradas até, com promessas desvairadas como tenho podido ouvir, que apenas comprometem um partido sério e com provas dadas. Espero possa haver consensos que permitam com serenidade analisar as propostas de todos.
Estes anúncios foram, então, precoces?
Já o disse antes. Considero desrespeitoso os anúncios que se fizeram antes que Rui Semedo se tivesse pronunciado. Não consegui perceber a urgência e a falta de sentido institucional, vindo de pessoas que paradoxalmente têm a pretensão de liderar o PAICV. Saúdo por isso mesmo o Nuías Silva e o Francisco Pereira pelo respeito institucional pelo PAICV e em linha com a boa tradição deste partido. O PAICV teve sempre uma boa escola, mas o mais que tenho reparado e são ambições à solta e pretensões para a imposição de novas regras, absolutamente desajustadas para um partido com história. Os anúncios precoces são sempre sinais de uma opção por competições internas e divisões que mais não fazem que enfraquecer o partido, criando instabilidades. Bom, ainda vão-me dizer que “é democracia e outras narrativas afins”. Enfim.
Acha que será um ano de grandes mudanças nos partidos?
Mudanças vão ocorrer. Têm de ocorrer. Quando se faz a leitura dos sinais – e a política é feita de sinais –, não se pode fugir às mudanças em 2025. O governo tem de ler os resultados das eleições e tirar ilações. Mas tem de olhar também para os estudos de opinião e tomar posição. Os partidos farão as suas leituras, naturalmente. E governar resulta desta interconexão entre aqueles que governam e aqueles que exercitam a oposição.
E como vê a queda de confiança em outras instituições como a Presidência da República, especialmente após as controvérsias deste ano?
Ouço muita gente falar de consenso, mas não vejo acções práticas. Como se costuma dizer, “não bate a bota com a perdigota”. Ou seja, ouço várias vezes a narrativa, ao mais alto nível, de que Cabo Verde precisa parar com processos de julgamentos dilacerados, com partidos em constante conflito, que precisamos de produzir consensos nacionais e de nos unir mais... etc. Isso é verdade. Agora, os consensos não são para se dizer. São para se praticar. E não pode ser apenas quando convém. Eu não posso, por exemplo, produzir uma boa retórica sobre o consenso, e ser eu próprio promotor-mor dos conflitos. Os consensos não são para os outros. É para todos. Temos de ser consequentes. Os partidos políticos passam a impressão à sociedade de que o que os une é muito pouca coisa, quando seguramente existem mais pontos de convergência do que de divergência. Porém, dá-se essa ideia, de uma grande fragmentação, que é muito visível pelo baixo nível do debate político e pela fulanização do debate parlamentar, por exemplo. A crise [de confiança] de que se fala e que se confirma através de sondagens, tem a ver com o desempenho destes protagonistas. São as pessoas que corporizam as instituições e quando os actores se portam mal as instituições é que pagam. O debate parlamentar , peço desculpas dizer isso, mas tornou-se numa coisa insana, infelizmente.
Mas falando em protagonistas. Os grandes protagonistas são o Primeiro-Ministro e o Presidente República e mais de 60% da população não confia em nenhum dos dois.
É esse o drama. Isto significa que os protagonistas estão a falhar. A todos os níveis, de alto para baixo. Isto é assunto para reflexão, porque os cabo-verdianos sempre tiveram em boa conta os altos dignatários da república. A percepção de que os princípios dignatários eles próprios dificultam a formulação de consensos, podem contribuir para o descrédito das instituições. Em 2024, houve muita polarização social provocada pelos altos dignatários e, claro, isto mina a confiança do povo.
Mas mantendo o nosso modelo de parlamentarismo mitigado?
O nosso problema não é o modelo: é um problema de protagonistas. A nossa democracia é demasiada competitiva e as pessoas acham que assim deve ser. Até parece que quanto mais nos polarizamos mais políticos nos tornamos. Temos de refletir sobre os caminhos da nossa democracia. Mas alguns protagonistas pensam que quanto mais se exacerba o campo político, melhor, e é pena que assim seja. Por isso é que nós temos um parlamento binário , do contra e do a favor em que quase nada é discutido em profundidade. Temos um parlamento que toca em tudo, mas não mexe em nada.
E falando no que devem “tocar”. Desemprego tem aparecido no topo das preocupações, temos assistido a um aumento da emigração… Enfim, quais são para si os grandes problemas de Cabo Verde, a que é preciso dar resposta com urgência?
Por mais voltas que demos, a questão dos rendimentos e do emprego está na centralidade da preocupação dos cabo-verdianos. Eu não sou daqueles que estabelece uma relação de causalidade directa entre a emigração e o desemprego, por exemplo, como tenho ouvido por ai... Eu acho até que os macroeconomistas devem estudar melhor os conceitos de emprego, trabalho, ocupação, etc., em Cabo Verde. Por exemplo, temos um sector informal da economia, à volta do qual se movimentam milhões que se calhar não estão bem contabilizados naquela que é a sua contribuição para a conformação do nosso Produto Interno Bruto. Quem anda a estudar estas questões? Há uma dissociação entre o que seja ocupação, emprego e trabalho, e estas variáveis precisam ser estudadas, pois podem criar uma ideia distorcida da realidade. Temos de entender como o cabo-verdiano lida com esses conceitos. Não há dúvidas de que precisamos olhar para aqueles, sobretudo para o campo, que precisam de rendimentos. Temos ainda de remover alguns constrangimentos que persistem como, por exemplo, os transportes. O cabo-verdiano continua a viajar com imensas dificuldades. Cabo Verde tem duas determinantes intransponíveis na formulação de políticas públicas: o país arquipelágico e diaspórico. Qualquer desenho de política que ignore estes dois elementos, tende a falhar.
Acha que 2025 vai ser um ano em que se vai acelerar as soluções para estes problemas?
O governo recebeu sinais suficientes para pensar a remoção dos constrangimentos que ainda persistem. Não sou eu que o digo. São os estudos de opinião que confirmam a necessidade de novas medidas. A cidadania está a avaliar permanentemente a nossa acção e não podemos fazer o papel de avestruz.
A nível de inserção no mundo, Cabo Verde sempre foi muito pragmático...
Temos de retomar o pragmatismo na política externa ou Cabo Verde sai do radar do mundo. Está ai a desejar-se uma nova ordem mundial, com a reposicionamento político nos Estados Unidos, país onde estou neste momento, e as medidas que vão surgir serão no sentido da protecção da economia norte-americana. O dólar vai ficar mais caro para nós seguramente nos próximos tempos e nós precisamos de divisas. Os BRICS não vão ficar parados. Na verdade, já estão a preparar-se para fazer frente ao que vem aí dos Estados Unidos, tal como a União Europeia. E Cabo Verde não pode sair do radar. Se eu fosse ministro dos negócios estrangeiros, neste ano, chamaria todos os antigos ministros dos negócios estrangeiros de Cabo Verde para o Ministério, para se criar um grande consenso sobre o posicionamento de Cabo Verde face a essa nova ordem que se configura. Aliás, devo dizer que acho que, neste momento, Cabo Verde tem um ministro dos negócios estrangeiros [José Filomeno Monteiro] capaz de fazer uma boa leitura e avaliação do que se passa no mundo. Mas ele andaria melhor se convocasse todos os antigos ministros e todos aqueles que tiveram funções relevantes ao nível do Ministério, porque o que vem aí é algo novo. Qual será a nossa estratégia, enquanto país, nesta nova ordem mundial? Enfim, o posicionamento de Cabo Verde no mundo exige um grande consenso. Temos que cuidar das nossas questões domésticas, mas não o podemos fazer distraidamente, como se estivéssemos aqui sozinhos. Claro que o Parlamento também deveria assumir a sua função essencial, a produção de consensos e debater o que é essencial na República. Manifestamente, todos nós nos desgostamos de ouvir o Parlamento, hoje. Temos de melhorar e ter outra performance. Lamento dizer isso porque fui deputado durante muitos anos, mas não há um debate essencial do que hoje sai do parlamento.
Acha que essa ordem mundial vai ter impacto na forma de se fazer política e nas políticas?
Vai. Não sou economista, mas há coisas que são de caras. Há dias o Banco Central resolveu aumentar as taxas de juros, o que acho em contra-ciclo. A Europa, que neste último ano subiu duas vezes essa taxas, agora baixou. E nós agora aumentamos. A explicação, os dados que se têm sobre a escassez de divisas, posam explicar a medida . Mas impactará negativamente a economia e os rendimentos a meu ver.
Vai ser um ano mais dispendioso?
Muito mais dispendioso. Acho que esta medida vai pressionar a economia de Cabo Verde. E aqui nestas ilhas nós não podemos falhar nas nossas decisões.
Quando mais cabeças pensarem nisso, melhor, daí a minha sugestão de se reunir gente que esteve no Ministério dos Negócios Estrangeiros, que conhece o mundo e que já fez a diplomacia económica, que é uma componente essencial da nossa diplomacia.
E 2025 deverá ser um ano de consensos.
É um ano de paradoxos. Devia ser um ano de grandes consensos à volta das grandes mudanças mundiais e dos sinais internos já explicitados, mas, paradoxalmente, 2025 será o ano de todas as ansiedades.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1206 de 08 de Janeiro de 2025.