Estamos a entrar no período final do mandato da Comissão Nacional de Protecção de Dados. Até agora que balanço é que se pode fazer?
Nós entendemos que o balanço é extremamente positivo, tendo em conta que a CNPD não existia. Nós começamos praticamente do zero. A CNPD tinha que aprovar os instrumentos de gestão, tinha que aprovar os instrumentos de funcionamento, desde o quadro do pessoal, os formulários, as orientações. Daí que, fazendo um balanço, poderemos considerar que ele é extremamente positivo.
Qual tem sido o vosso trabalho? O que é que a CNPD faz?
A Comissão tem por atribuição essencial controlar e fiscalizar o cumprimento das leis e dos regulamentos em matéria de protecção de dados. O cumprimento pelas instituições privadas, pessoas singulares, mas também pelas instituições públicas. Basicamente é esse o nosso papel e, resumindo, a CNPD tem a competência de registar todos os tratamentos de dados que se façam em Cabo Verde, mas também tem alguns tratamentos que carecem de autorização. E a CNPD tem dado autorização, sobretudo naquilo que tem a ver com os dados sensíveis e aqui refiro-me ao tratamento de dados de videovigilância, dados de biometria, dados de saúde, convicções filosóficas, políticas e também entram aqui os dados genéticos.
Falou da videovigilância. Este tema tem sido bastante falado. De que forma é que a CNPD controla as imagens que são capturadas pelas câmaras?
Temos de separar duas fases. A primeira é a fase preventiva: a Comissão deve autorizar, significa que a videovigilância, enquanto sistema, só deve ser instalado com a autorização da CNPD. Numa segunda fase a Comissão tem um papel de fiscalização. Aqui é que entra o controlo das imagens. A Comissão tem de saber quais são as zonas abrangidas pelas câmaras e depois verificar se o responsável pelo tratamento está a cumprir aquilo que declarou no pedido de autorização, deve saber se essas imagens estão ou não a ser comunicadas a terceiros e, se sim, a quem e para que finalidades. De uma forma resumida, a Comissão, no tratamento de dados de videovigilância, tem um papel preventivo de autorizar esse tratamento, mas também tem o papel sucessivo de fiscalizar todas as operações feitas com as imagens depois da sua recolha.
O armazenamento é também controlado por vocês?
Nós controlamos o armazenamento, mas quem armazena os dados são os responsáveis pelo tratamento. Ou seja, a pessoa que tem o sistema instalado, que tem também as imagens gravadas. A Comissão controla se essas imagens estão a ser apagadas assim que esteja decorrido o prazo máximo de 30 dias. A não ser que haja motivo para a sua conservação, designadamente o registo de uma infracção criminal ou administrativa.
Tem havido casos?
Sim, tem havido casos de conservação de imagens para efeitos de realização da justiça no caso dessas imagens constituírem ou terem factos que possam indiciar a prática de um crime. Ou então para efeitos de procedimento contra-ordenacional e consequentemente a decisão desse processo.
Muitas das câmaras estão instaladas em zonas habitacionais. Como é que se impede a invasão da privacidade?
Em regra essas câmaras de videovigilância não deveriam captar imagens de casas de outras pessoas. Um individuo que tem um sistema de videovigilância na sua residência deve captar apenas imagens da sua residência e não de terceiros.
E em relação às câmaras que estão a ser instaladas no âmbito do programa Cidade Segura?
Aqui, nesta situação, a Comissão já emitiu um parecer que diz que por regra as câmaras de videovigilância não devem captar imagens de residências de terceiros, ou seja, zonas intimas como espaços que circundem a casa, um quintal, por exemplo. Também não devem filmar locais de culto e embaixadas. O que temos estado a verificar é que nas embaixadas e igrejas é colocada uma máscara digital que impede que as câmaras captem imagens desses espaços. Poderá haver recolha nesses espaços, no entanto, havendo o consentimento dos proprietários. Nós temos que ter em conta o tipo de urbanização que temos na cidade. Em vários bairros é praticamente impossível haver colocação de câmaras sem que haja esse perigo de recolha de imagens da propriedade de terceiros. O que o responsável pelo tratamento, neste caso a Polícia Nacional, tem feito é o cuidado com a localização dos postes e até agora as coisas têm estado a correr bem em termos de privacidade. Mas, com o aumento do número de postes e câmaras poderemos ter esse risco maior de haver uma ou outra câmara que poderá abarcar propriedade de terceiros. Mas como eu já disse há uma solução electrónica de máscaras nesses espaços que impedem que se captem imagens.
O governo anunciou recentemente o alargamento do programa Cidade Segura que implica a expansão para São Vicente, Sal e Boa Vista. É um desafio para a CNPD?
É. O procedimento para essas ilhas é o mesmo. A Comissão será chamada para se pronunciar mas até este momento não chegou aqui nenhum pedido de parecer nesse sentido. As recomendações e limitações legais serão as mesmas e portanto não haverá nenhum problema. Naturalmente, será mais um encargo para a Comissão. Sobretudo com a deslocação para essas ilhas numa altura em que o nosso orçamento se manteve tal como vem dos anos anteriores. Por isso, sim. Será mais um desafio.
As câmaras de videovigilância que estão a ser instaladas neste programa têm a capacidade de reconhecimento facial. Como é que se consegue fazer a identificação de uma pessoa no meio de uma multidão?
Há um software próprio. Embora o sistema que nós temos ainda não tenha activada essa possibilidade de reconhecimento facial. Mas tem essas características e outras que não estão ainda a ser exploradas. São questões técnicas mas haverá sempre a possibilidade de reconhecimento facial de uma pessoa quando o sistema tiver activada essa possibilidade.
Vai haver a possibilidade do machine learning? De a câmara aprender sozinha...
Sim, a fazer todo o processamento.
Em que moldes é que um privado pode instalar uma câmara de videovigilância na sua casa?
Primeiro tem de haver uma autorização nossa. Deve ser preenchido um formulário aprovado por nós e que pode ser encontrado no nosso site. Dizer quantas câmaras vai instalar, quais são as medidas de segurança, qual o espaço abrangido pelas câmaras para podermos saber se está ou não a captar imagens da propriedade de terceiros. Depois, a CNPD manda um técnico para averiguar se o que está no formulário corresponde à realidade e só depois emite a autorização. Esta última parte acontece na ilha de Santiago. Nas outras ilhas, o que temos estado a fazer é ir verificar depois da emissão da autorização. Estamos desde o ano passado com um protocolo com a Polícia Nacional no sentido de dar formação aos agentes da PN de todo o país para num primeiro momento fazerem essa inspecção, de verem as câmaras, o número de câmaras e os locais abrangidos ainda antes da emissão da autorização. Mas essa cooperação ainda não saiu do papel porque para que se efective é necessário que os agentes tenham essa formação. O que temos feito nas outras ilhas é o controlo posterior, ir ver se efectivamente aquilo que o responsável tinha declarado aquando do pedido de autorização corresponde ou não à verdade. Não correspondendo haverá um processo contra-ordenacional.
Os procedimentos serão diferentes para quem more num prédio...
Se uma pessoa morar num prédio onde existem vários moradores, para que a CNPD autorize é necessário que todos os moradores dêem o seu consentimento para a instalação da câmara ou do sistema de videovigilância. Basta que um morador não dê o seu consentimento e não haverá autorização da nossa parte e consequentemente não poderá haver a instalação desse sistema. Em relação à abrangência, a câmara deve abarcar a parte em frente ao edifício. Pode inclusivamente apanhar parte do estacionamento em frente ao edifício mas nunca o estacionamento do lado contrário da rua e muito menos a porta de entrada da casa de outra pessoa.
Outra questão da vossa área é a dos dados biométricos. Que controlo é que fazem desses dados?
Os dados biométricos são dados sensíveis. A Comissão, neste particular, deve fazer um controlo prévio, e nós temos estado a fazê-lo, basicamente com os dados de impressão digital que são instalados nos sistemas de controlo laboral. A Comissão tem feito um controlo prévio, com os pedidos de autorização, mas também tem feito um controlo posterior no sentido de fiscalizar a sua utilização para ver se está ou não a cumprir com o que está na lei. Temos emitido várias autorizações. Posso avançar até alguns números. Entre as autorizações emitidas, o grosso é CCTV e biometria, e já estamos, neste momento, em mais de mil autorizações desde o início de funções da Comissão. Quando falo de autorização estou a falar de um controlo preventivo, ou seja, permitir ou autorizar a instalação desses equipamentos. Mas a Comissão já fez também a fiscalização, que chamamos de inspecção, em todas as ilhas. Mas lá esses sistema existe em menor número. Na Ilha Brava ou do Maio esse sistema praticamente não existe. Mas em Santiago, São Vicente, Sal e Boa Vista os sistemas biométricos, principalmente nos locais de trabalho, têm sido controlados tanto de forma preventiva como sucessiva.
A documentação biométrica também está sob vossa alçada?
Sim. Nós exigimos que o responsável pelo tratamento nos dê toda a documentação sobre o sistema biométrico.
Estamos a falar de Cartões Nacionais de Identificação, passaportes...
Sim. Nós controlamos não preventivamente, porque já há uma autorização legal para recolha dos dados biométricos para emissão de documentos, seja ele o Cartão Nacional de Identificação ou passaporte ou o título de residência para estrangeiros. Neste caso devemos controlar se as entidades responsáveis pela emissão dos documentos estão a utilizar os dados de acordo com aquilo que está na lei. Também é da nossa competência fazer esse controlo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 946 de 15 de Janeiro de 2020.