Tudo a postos para o início do ano lectivo?
Penso que sim. Temos feito um trabalho concentrado e estão reunidas as condições para termos um ano tranquilo, sem sobressaltos em todos os domínios, desde os aspectos pedagógicos ao ambiente escolar.
Os manuais, pelo menos os que existem, já estão todos disponíveis.
Tínhamos uma situação crítica, em 2016. Praticamente, não havia manuais em Cabo Verde. Iniciamos um processo de reforma do ensino básico em 2017/18 e tivemos que elaborar novos manuais. Todos os anos foram produzidos manuais, sucessivamente, do 1.º ao 8.º ano de escolaridade e só concluímos este processo em 2021/2022. Portanto, estabilizamos já a questão dos manuais do ensino básico e todos os manuais escolares, do 1.º ao 8.º ano de escolaridade, estão disponíveis nas papelarias nacionais.
A ideia é criar manuais até ao 12.º Em que ponto estamos da reforma?
Estamos na reforma do ensino secundário. Já tivemos o 9.º reformado no ano lectivo 2021/2022, este ano vamos ter o 10.º ano. Temos um ano experimental, para validação técnico-científica dos programas, seguida da produção dos manuais e estamos neste momento no processo de contratualização dos serviços de elaboração e produção dos manuais. Já temos o financiamento garantido para produzir os manuais do 9.º até ao 12.º ano, pelo que anualmente vamos introduzindo. Neste ano lectivo, os manuais do 9.º ano, no próximo, do 10.º, e assim sucessivamente. Em 2026, esperamos ter todos os manuais, numa situação quase inédita de termos todos estes materiais didácticos, assim como uma reforma completa do sistema educativo, do 1.º ao 12.º ano.
Entretanto, este ano, vai ser o primeiro ano efectivamente "normal", desde 2020. Já foram feitos vários balanços, mas agora, com maior distanciamento, onde se sentiram os maiores impactos desta pandemia. Quais foram os indicadores que mais sofreram?
A pandemia teve um impacto extraordinário no sistema educativo. A incidência maior da pandemia ocorreu logo no início, em Março, Abril de 2020 em tivemos que encerrar as escolas. Tivemos, então, que implementar medidas alternativas de acesso às aprendizagens, e pusemos de pé uma televisão educativa para podermos disponibilizar os conteúdos. Apesar das perdas nas aprendizagens, conseguimos agora estabilizar o sistema. Tomamos uma medida corajosa, ainda em Junho de 2021, de iniciar o processo paulatino da normalização e de estabilização do funcionamento das escolas e iniciamos 2021/2022 num contexto ainda marcado pela pandemia, mas conseguimos ter o ano a funcionar dentro da absoluta normalidade.
Mas houve impacto nos indicadores? Por exemplo, a nível do aumento do abandono escolar?
Os indicadores que temos disponíveis não apontam nesse sentido. No ano lectivo 2021/2022, houve uma redução drástica do abandono escolar. No básico, o abandono escolar situa-se em torno de 0,1%, e no ensino secundário à volta de 1,5%, muito abaixo das taxas de abandono de 2016, em que tínhamos cerca de 3,5 no ensino básico e cerca de 6,7 no ensino secundário. Há uma diminuição e há uma melhoria dos indicadores dos resultados globais da avaliação das aprendizagens. É claro que temos de aprofundar a análise e por isso solicitamos a elaboração de um relatório retrospectivo para fazermos uma comparação dos dados de 2012 até 2022, dez anos, para não falarmos apenas com base nas nossas percepções, e podermos ter dados concretos para comparar a evolução de todos os indicadores do sector educativo. Mas em 2021/2022 tivemos uma redução das taxas de abandono escolar, quer no básico quer no secundário.
E quanto ao sucesso escolar?
Temos mantido sempre uma tendência [positiva], a taxa de aprovação é de 83,9% no ensino básico, e de 73,7% no secundário. Está em linha com a tendência prevalecente ao longo dos últimos anos. Registamos, e é uma tendência, se calhar, de carácter internacional, que na faixa etária entre 14-17 anos há uma incidência maior de reprovações. Temos de analisar, do ponto de vista pedagógico, e tirar ilações, nomeadamente a correlação que existirá com a incidência da pobreza e outras que possam derivar da própria conjuntura e do desenvolvimento humano dos adolescentes, mas, globalmente, estamos dentro dos parâmetros normais de avaliações positivas no ensino básico e no secundário.
Falando ainda da abertura deste ano lectivo, que novidades a nível das infra-estruturas, nomeadamente obras e novas escolas?
Em termos correntes, anualmente tem de haver, e temos feito, obras de manutenção. Para além destas, temos de realizar obras de reabilitação e adequação de infra-estruturas educativas. Tivemos, em 2016, uma situação quase grave de degradação das infra-estruturas escolares. Este governo já investiu mais de um milhão e 200 mil contos a reabilitar infra-estruturas escolares e a construir escolas. No ano lectivo transacto construímos novas escolas, reabilitamos cerca de 70 escolas. Este ano estamos a reabilitar mais de 50 escolas a nível nacional, num custo de mais de 130 mil contos. Temos situações críticas e não deixamos de o reconhecer. Aliás, é por reconhecer que mobilizamos financiamentos para podermos ter as infra-estruturas mais adequadas. Na ilha do Sal, há uma pressão demográfica decorrente da dinâmica económica. Essa pressão é boa porque reflecte os avanços da economia na ilha, mas o sector da educação tem de poder responder, em temos de infra-estruturas, e, de facto, descuramos um pouco no passado. Nos anos anteriores, já ampliamos a capacidade de resposta da escola secundária Olavo Moniz no Sal e temos em perspectiva a construção da escola básica até ao 8.º ano no bairro de Chã de Matias, Espargos. Temos de melhorar a capacidade de oferta, mas estamos a recuperar salas de aulas na cidade de Santa Maria - mais 12 salas de aulas -, e na cidade de Espargos - mais 6 -, para aliviar um pouco a sobrecarga que existe. Na Boa Vista, já temos a situação mais estável, construímos uma escola de raiz no ano passado. Em Santiago, temos a situação de Santa Cruz que carece de uma atenção especial e na cidade da Praia também temos que acompanhar a dinâmica, mais suave, mas crescente. Também aqui, como em São Vicente, temos que aumentar a oferta de salas de aulas, mas em outras ilhas e no meio rural temos escolas que vão perdendo alunos…
E vai haver encerramento de escolas este ano?
Essa não é uma questão só de Cabo Verde, é uma tendência demográfica normal. Há uma redução do número de alunos e temos que encontrar soluções, porque ter dois alunos numa turma quer dizer que não há condições pedagógicas, nem humanas para esses alunos estarem naquela sala. Não há condições de aprendizagem, então muitas vezes temos de juntar turmas.
Não temos previsão de encerramento de nenhuma escola, mas vamos ter turmas compostas. Às vezes dramatizamos, mas é preciso conhecer o que se passa nos outros países. Muitos têm uma situação idêntica, com perda de população nas zonas rurais e é preciso encontrar soluções para que nenhuma criança fique de fora, mas sim que tenha condições de socialização, de convívio com colegas e com o ambiente da escola, e com professores que tenham capacidade e condições para leccionar.
E provas de aferição? Quando voltarão a realizar-se?
Já voltamos a ter as provas nacionais. As provas de aferição são provas externas, realizadas a matemática e Língua Portuguesa, que permitem aferir a qualidade do ensino e a comparabilidade com outros sistemas de ensino. Não são anuais, nem em Cabo Verde nem em nenhuma parte. São realizadas em média de 3 em 3, ou de 4 em 4 anos. Foram realizadas em 2019 e temos em perspectiva realizar novas, provavelmente em 2023, para perceber como está todo o sistema. Entretanto, já foi aprovado o novo sistema de avaliação exactamente para dar estabilidade aos critérios de avaliação e criar condições para, progressivamente, atingirmos as metas conducentes à integração de Cabo Verde nos rankings internacionais. O nosso sonho, não sei se concretizável, é integrar Cabo Verde nos rankings PISA, assim como a nossa ambição é alinhar o sistema de ensino com os padrões de qualidade dos países mais avançados, designadamente da OCDE. São esses os nossos objectivos, e temos de trabalhar os pilares para podermos atingir e realizá-los, quer em termos da integração nos rankings internacionais, quer na ambição maior que é o alinhamento, em termos de qualidade, com os países mais avançados. Por isso é que fizemos a reforma do ensino básico, estamos agora a fazer a reforma do ensino secundário, aprovamos o sistema nacional de avaliação das aprendizagens, temos em desenvolvimento e em processo já quase finalizado a produção da legislação referente ao sistema nacional de formação de professores, formação inicial e formação contínua, para estabilizarmos o pilar, muito importante, da qualidade do ensino que é a qualificação permanente dos professores. Ao mesmo tempo, estamos a trabalhar a questão da transição e transformação digital do sistema educativo, bem como um outro pilar muito importante que é a adequação e modernização das infra-estruturas educativas. Aliás, estes são objectivos muito concretos, temos de mobilizar financiamentos para podermos fazer com que as infra-estruturas, incluindo laboratórios possam acompanhar toda esta dinâmica do lado do desenvolvimento curricular e do sistema da avaliação, e de formação de professores.
Falou da entrada de Cabo Verde nos rankings internacionais, nomeadamente em PISA. Quais os requisitos?
Como disse, realizamos já uma prova de aferição e temos em perspectiva realizar mais. Estamos a realizar outras provas em LP e em matemática, a avaliação EGRA (Early Grade Reading Assessment), estamos a criar as condições para reunir todos os requisitos que possam contribuir para a elegibilidade de Cabo Verde para integrar o PISA. Temos em perspectiva, com o financiamento do Banco Mundial, participar em ambientes de avaliação externa nos países africanos, e ainda a avaliar se vamos aderir ou se não. Mas, teremos de contratar serviços especializados para nos ajudar a compreender melhor os sistemas de avaliação dos países que integram o PISA para podermos depois preencher os requisitos e, se for possível, pedir a integração de Cabo Verde.
Isso vem também no sentido de uniformização das próprias avaliações?
Vem no sentido em que nós desejamos que o perfil de saída do aluno cabo-verdiano 12.º ano esteja em linha com o perfil do aluno de 12.º ano ou equivalente nos países da OCDE. Que o aluno ao sair do 12.º ano em Cabo Verde tenha literacias idênticas ou comparáveis com as dos alunos em outros ambientes mais avançados. É neste sentido que temos de trabalhar, primeiro a adequação dos planos curriculares. Definir aquilo que pretendemos em termos dos conteúdos e alinhamento com os países da OCDE e entendemos que podemos ter programas de matemática e ciências exactas muito próximos dos programas em vigor em Portugal. Reconhecemos que o perfil de saída de matemática em Cabo Verde é um pouco mais baixo, mas uma boa parte dos alunos que termina aqui o 12.º ano vai frequentar o ensino superior em Portugal. Então, temos de ter um nível de matemática equiparado, e a reforma curricular do ensino secundário já dá esta resposta, assim como em física, biologia, geologia. Depois temos a questão das línguas. Temos a Língua Portuguesa como língua matriz, e continuará a ser a língua matricial do sistema educativo. Não há aqui nenhuma dúvida: a Língua Portuguesa é a língua do ensino, é a língua matricial do sistema educativo cabo-verdiano.
Mas é ensinada como segunda língua.
São metodologias de ensino que não têm nada a ver com aquilo que é a adopção da Língua Portuguesa como língua nacional, como língua de comunicação nacional, como língua oficial. E nós temos de criar as condições para que as novas gerações tenham um domínio cada vez mais perfeito da Língua Portuguesa. A metodologia de ensino é uma coisa e a assunção da Língua Portuguesa como língua matricial do sistema é um dado adquirido. Aliás, decorre da própria Constituição da República. A par disso temos de reforçar o ensino das línguas estrangeiras, do Inglês, como língua base da ciência e da comunicação internacional, e estamos a fazer esse esforço. Reintroduzimos o Inglês a partir do 5.º ano de escolaridade, estamos a reforçar. Vamos avaliar se os alunos estão a ter maior capacidade da conversação em Língua Inglesa, daqui a 3, 4 anos. Nessa altura vamos poder dizer se de facto a reforma está a ter resultados ou não. Reintroduzimos o Francês também a partir do 5.º ano de escolaridade, e esperamos que os nossos alunos possam também dominar o Francês, como língua que é da nossa sub-região africana. Depois temos a questão da identidade nacional. Valorizamos a identidade nacional e temos que defender e valorizar a Língua Cabo-verdiana como veículo de comunicação entre os cabo-verdianos, mas também como instrumento da cultura e da identidade nacional. Neste sentido, tomamos a decisão de introduzir uma disciplina de Língua e cultura cabo-verdiana, com carácter experimental e opcional, a partir do 10.º ano para lançarmos as bases para que futuros governantes possam tomar uma decisão, se calhar mais abrangente, que é ter a Língua Cabo-verdiana como uma língua complementar de ensino, mas mantendo sempre a Língua Portuguesa como a língua matricial do sistema educativo cabo-verdiano.
Os objectivos e discursos, incluindo o slogan, à volta da educação prendem-se com a qualidade, mas tem havido várias críticas à qualidade do ensino em Cabo Verde. Até que ponto é que acha que essas críticas são justas?
A qualidade pode ser entendida como um slogan, ou então como processo. Como slogan, cada um tem a sua percepção se o slogan é bom ou não. Agora como processo, partindo do princípio de que devemos analisar criticamente as observações feitas, tivemos que introduzir as reformas, do ensino básico e a do ensino secundário, a reestruturação do sistema nacional de avaliações, o sistema nacional de formação de professores, a adequação da infra-estruturas educativas, a transição digital, exactamente para podermos criar as condições para uma melhoria continuada da qualidade do ensino. Não vamos ter nunca a qualidade acabada do ensino, é um processo. Seria até mau para os sistemas se chegássemos a um ponto em que achássemos já ter a qualidade total, já não haver mais nada a fazer. Temos de continuar, sempre, com esta preocupação da qualidade. É uma questão que diz respeito a todos os sistemas. Se hoje algumas pessoas dizem que temos uma qualidade que não é satisfatória, quer dizer que os nossos antecessores não terão feito o suficiente. Eu não faço críticas aos meus antecessores, não faço esta avaliação, porque se não teríamos que chegar à conclusão que lá trás não tomaram as medidas [certas], porque só podemos avaliar a qualidade na ponta final da formação do indivíduo, e portanto um período mínimo de 15/16 anos: 12 anos do ensino básico e secundário, mais 4 anos de formação superior. Só na ponta final da formação superior é que podemos aferir com alguma pertinência se há ou não qualidade. Agora, é verdade que é preciso continuarmos a incidir, a ter uma preocupação fundamental com a qualidade do ensino, por isso é que temos ambição maior de alinhar o sistema de ensino com os padrões de qualidade dos países da OCDE, mas mesmo nesses países temos velocidades de aprendizagem diferentes, temos bons alunos, e outros não tão bons, temos até bons alunos que depois não são bons profissionais… Então, é preciso ver a qualidade como um processo e dentro deste processo o Ministério da Educação assume a sua responsabilidade e estamos a trabalhar no sentido de melhorarmos continuadamente a qualidade. Esperamos que no futuro os nossos sucessores possam fazer ainda melhor para melhorar o sistema de ensino e a qualidade das aprendizagens.
A qualidade também tem a ver com a questão das exigências. Uma das críticas é que o sistema de ensino não é suficientemente exigente, os curricula são superficiais. Como se define até que ponto, o quê se há-de ensinar e exigir?
Como actual titular da pasta posso dizer que fizemos uma avaliação e tivemos de reintroduzir alterações, por isso é que melhoramos os planos curriculares e temos agora novas matrizes. E se temos novas matrizes, é porque chegamos à conclusão de que era necessário termos maior qualidade e maior exigência. Se restruturarmos o sistema de avaliação é porque também chegamos à conclusão de que era necessário melhorar a exigência. Nós estamos seguros de que não podemos ter um sistema de facilitismos, é preciso reforçar as exigências de facto. É por isso que reintroduzimos avaliações em diversos contextos, e é por isso que restruturamos o sistema de avaliação a partir do próximo ano. Publicamos todo o calendário lectivo, incluindo o calendário das avaliações exactamente para temos transparência total e escrutínio da sociedade relativamente a tudo aquilo que vamos produzindo e fazendo no ministério e nas escolas. Porque, fundamentalmente, no ministério trabalhamos no planeamento, planificação, mas quem implementa é a escola.
Pois, sem essa parte não conseguem fazer nada. Como estamos a nível da qualidade dos professores, que são os principais executores do que aqui se delineia?
É preciso dizer que, cada vez mais, temos professores mais qualificados, pelo menos em termos de habilitações académicas. Para ingressar na carreira é preciso grau mínimo da licenciatura. Agora, é preciso, para além da formação de base, continuar a desenvolver as competências dos professores e por isso é que estamos a desenhar o referido sistema nacional de formação de professores, para podermos ter um sistema contínuo de formação e de adequação das competências dos professores, para acompanhar as tendências da ciência, mas, por outro lado, também para nivelar em termos de metodologia e de pedagogia, para temos os professores de facto na vanguarda como pilar fundamental da qualidade do ensino. Temos esta preocupação também. Nós temos de conhecer o contexto cabo-verdiano, e o contexto de todos os países, porque não é exclusivo de Cabo Verde: tivemos um sistema educativo, até finais da década de 90, onde tínhamos uma prevalência de professores sem qualificação ao nível de ensino superior. A partir de um determinado momento, os governos da década de 90, começaram a formar professores. Continuamos a formar professores, nas nossas Universidades, e hoje já temos uma prevalência de professores com grau de licenciatura dentro do sistema, mas é preciso continuar. Somos honestos e falamos com total sinceridade, é preciso, todos nós continuarmos a fazer este esforço e já temos uma enorme confiança nos nossos professores. Os professores cabo-verdianos deram provas de que podemos confiar neles. No contexto de crise pandémica responderam com assertividade, com heroísmo, quase, aos desafios que surgiram, e continuam empenhados não obstante as adversidades, não obstante a necessidade que temos de continuar a encontrar soluções para o desenvolvimento das carreiras, para regularizar as pendências. Mesmo neste contexto tenho que reconhecer que os nossos professores têm tido aqui um papel fundamental e toda a sociedade cabo-verdiana pode confiar neles porque têm feito um trabalho meritório.
E da parte da sociedade? Tem sido dado o devido reconhecimento aos professores?
O maior reconhecimento que os professores têm é o processo de desenvolvimento nacional. Os patamares de desenvolvimento que o país tem atingido devem-se à formação dos cabo-verdianos, à qualidade do capital humano, e os professores estão na base da formação dos cabo-verdianos. Se atingimos patamares aceitáveis, no combate à pobreza, de crescimento económico, a nível da saúde, etc, quer dizer que os nossos professores fizeram ou têm feito um trabalho meritório. Podemos apontar uma ou outra crítica, mas o desenvolvimento humano, o desenvolvimento económico, cultural, social, científico do nosso país demonstra que os nossos professores têm tido um papel fundamental.
E em relação às reivindicações dos professores? Disse recentemente que até 2023 ia resolver as pendências. Vemos cortes em vários sectores devido às crises, como é que isto vai influenciar ou não as promessas na educação?
É preciso contextualizar, de facto, o ambiente em que o governo está a trabalhar. Tivemos que enfrentar as crises e as suas consequências. Tivemos perda das receitas, aumento dos gastos públicos. O governo teve de mobilizar meios e concentrar energias quer na segurança sanitária, no sistema de saúde, quer na estabilização e coesão social, quer no relançamento económico para recuperar empregos e para evitar a degradação da condição de vida dos cabo-verdianos. De uma forma geral, as finanças públicas tiveram que responder a esses desafios. Redução das receitas à volta de 20 milhões de contos ao ano, 2020 - 2021, este ano, 2022, ainda não temos dados, mas estamos a registar perdas de receitas e tivemos de aumentar gastos em diversas situações, inclusive no sector da educação. Então, temos este contexto, que os cabo-verdianos seguramente percebem - e perceberão melhor quando o ministro das Finanças falar sobre este assunto. Mas, sou membro do governo, tenho de ser solidário e conhecer bem o contexto das finanças públicas de Cabo Verde. Este é o primeiro ponto. De seguida, é preciso sinalizar que o governo, não obstante este contexto muito difícil, tem estado a resolver as pendências dos professores. Resolvemos pendências de professores que todos deixaram acumular desde 2008. De 2016 a esta parte, resolvemos pendências beneficiando mais de 7000 professores com um incremento orçamental à volta de 70 mil contos, por ano, de forma constante e permanente. É um esforço extraordinário. Ainda prevalecem pendências e estamos a trabalhar com o Ministério das Finanças, com a administração pública, para podermos continuar, paulatinamente, a resolver estas pendências. Estamos a ultimar a proposta de orçamento para 2023, estamos em diálogo com o ministério das Finanças, um diálogo normal, construtivo. A minha formação é a área económica, eu, ministro da educação compreendo perfeitamente as restrições e as limitações, mas temos que continuar a mobilizar meios para resolvermos as pendências e, assim, ultrapassarmos este contexto em que o desenvolvimento das carreiras dos professores tem estado enterrado. Esperamos que até Dezembro de 2023 possamos concluir o processo da regularização das pendências, para podermos entrar numa outra fase que é a revisão do regime jurídico da carreira dos professores e um processo normal de desenvolvimento das carreiras com as progressões, as promoções dentro da normalidade. Este desenvolvimento das carreiras não depende exclusivamente do ministério da educação, depende do contexto, por um lado, e depende dos equilíbrios todos - os macroeconómicos, os equilíbrios das finanças públicas - para podermos enquadrar. Então, compreendo muito bem o contexto e as restrições orçamentais, as dificuldades das finanças públicas, a pressão sobre o lado das despesas, mas temos feito este esforço e vamos continuar. Tenho tido um diálogo normal com os sindicatos. Às vezes há desentendimentos, o que tem de ser naturalizado porque vivemos numa sociedade democrática. Os sindicatos existem para defender os interesses dos seus associados e têm legitimidade para isso. Compreendo, porque sou um democrata, mas, por outro lado, há estes condicionalismos todos, que eu explico aos sindicatos. Às vezes concordam, outras não, mas mesmo quando há discordância, continuamos a dialogar porque sabemos que é preciso valorizar os sindicatos. Sabemos que nos regimes democráticos os sindicatos têm de existir e hoje estamos no governo, amanhã podemos não estar. Então, temos de normalizar o papel de todos os actores porque o desenvolvimento das carreiras também depende dos equilíbrios.
Fazemos o máximo para convergir, mas podemos não o conseguir e quando não conseguimos falamos com os sindicatos de forma aberta, tranquila. Tivemos até manifestações de professores. Apesar terem tido pouca adesão, temos de valorizar, mesmo que tivesse participado uma única pessoa temos de tirar ilações para melhorarmos, para não haver razões para novas manifestações.
Ainda falando de dinheiro. A Reforma educativa teve o apoio do Banco Mundial. Mesmo com as crises, há financiamento salvaguardado?
Tivemos financiamento do Banco Mundial para a reforma do ensino básico, e com base nesse apoio produzimos os manuais até ao 8.º ano de escolaridade. Temos verbas para a elaboração e produção dos manuais do 9.º até ao 12.º ano de escolaridade, e, portanto, isso está garantido. Voltamos a celebrar o acordo de financiamento com o banco mundial, no âmbito do projecto de capital humano. Temos também disponibilidade financeira para a montagem do sistema de formação de professores e realização de algumas acções de formação de professores e temos ainda financiamento do Banco Mundial para o projecto da Cabo Verde digital, no âmbito do qual vamos equipar os laboratórios tecnológicos das escolas para podermos ter condições para leccionação das aulas das TIC. O financiamento do banco mundial ronda uns 11 milhões de dólares, para os dois programas (capital humano e programa digital), com as componentes respeitantes à educação. O pacote é mais largo, há outros sectores envolvidos, mas naquilo que diz respeito ao ministério da educação é isso. Esta parte do financiamento é transportada para o orçamento, anualmente. Também temos outros parceiros, é preciso sinalizar. Temos o sistema das Nações Unidas, vamos agora participar na Cimeira Mundial da transformação da educação, esperamos poder apresentar os nossos desafios actuais - o desafio da transição e transformação digital do sistema educativo, o desafio da adequação e modernização das infra-estruturas educativas, incluindo laboratórios -para mobilizarmos algum financiamento. Da parte da GPE, da parceria global para educação, já temos disponibilidade para financiamento até 6 milhões de dólares, e estamos a trabalhar na candidatura. Há os parceiros bilaterais que nos apoiam, por exemplo, com bolsas de estudo para o ensino superior, mas também nas infra-estruturas educativas. A República Popular da China apoiou com a construção do Campus universitário da UNICV, mas está disponível para continuar a apoiar Cabo Verde na melhoria das infra-estruturas. Temos esses parceiros todos, Portugal, Estados Unidos, a União Europeia, Luxemburgo, enfim, temos vários parceiros que têm ajudado Cabo Verde.
Uma grande parte do orçamento para a educação, ia para a questão as cantinas escolares, da refeição quente. Já foi anunciado, que com a questão da crise dos alimentos a cantina escolar vai se reforçada. Como este reforço entra no Orçamento da educação?
Temos um orçamento para a acção social escolar e universitária à volta de 700 e tal mil contos, por ano. Temos o programa de bolsas de estudo, o programa de refeição quente, das cantinas, o programa de transporte escolar, o programa de apoio aos alunos provenientes de famílias menos favorecidas. O programa de acção social escolar e acção escolar universitária é um programa estável, consolidado e sustentável, temos os financiamentos garantidos através do Orçamento do Estado agora o reforço que virá, virá através da cooperação internacional.
Neste contexto de crise, através dos Ministérios do Negócios estrangeiros e da agricultura, foi possível mobilizar apoio para reforçar a disponibilidade de alimentos para as cantinas escolares e vamos ter o reforço de géneros alimentícios.
Falando do secundário. Há muito tempo que se fala da necessidade de uma maior aposta no ensino técnico. Há novidades neste sentido?
Os cursos técnico-profissionais do sistema de ensino técnico passaram a ter duração de 3 anos de duração à semelhança de Portugal e de outros países, ao contrário do que tínhamos, 2 anos. Para já a oferta está a responder. Neste momento há numa tendência de crescimento da procura. Nas escolas Técnicas na Praia, de Santa Catarina, de Porto Novo e de São Vicente, há um aumento nítido de inscritos. Naturalmente, havendo uma demanda crescente, o sistema público e a oferta pública da formação técnica têm de acompanhar. Estamos a elaborar o plano estratégico de desenvolvimento da educação e do ensino superior e, neste âmbito, podemos perspectivar mais ofertas de ensino técnico para podermos equilibrar a oferta. Neste momento temos essas quatro escolas técnicas que estão a funcionar, estão a dar resposta para já, mas é preciso sinalizar que a escola técnica da Praia, a escola Cesaltina Ramos, por exemplo, registou uma procura muito grande e está a transformar-se na escola de referência na cidade da Praia. A escola técnica de São Vicente já é uma referência histórica, é uma escola prestigiada. Houve uma tendência de generalização da via geral normal, absolutamente normal e compreensível, mas desde 2019 é que há uma tendência de recuperação do ensino técnico.
Vão acompanhando esses fenómenos e adaptando?
Vamos acompanhando a tendência, as estatísticas, a procura. Neste momento, aumentamos a capacidade de resposta das escolas técnicas, modernizamos o seu parque de oficinas, aumentamos a capacidade e disponibilidade das salas de aula, particularmente na escola Cesaltina Ramos, mas também na Assomada. Temos novas oficinas, por exemplo, de artes gráficas e de mecânica auto, melhoramos a capacidade de todas as oficinas e, igualmente, na área da informática, de contabilidade, dos serviços. Portanto, estamos a tentar responder à demanda. Mas é preciso continuar e temos contado com a colaboração da cooperação luxemburguesa, por exemplo, que nos ajudou a melhorar a capacidade de resposta das escolas técnicas.
A escola, além do que se ensina dos livros e afins, passa valores. Cada vez que se falam de problemas sociais, como a delinquência, é chamada a escola. Sendo esta um produto da sociedade, mas que produz também a sociedade, como está a gerir essa situação com os valores?
São questões transversais e essas questões da cidadania são questões transversais, estão presentes em todas as disciplinas. Claro que temos disciplinas mais vocacionadas para transmissão de determinados valores, mas no quadro geral de reforma curricular, estas questões, transversais, devem ser abordadas em todas as disciplinas. A escola complementa aquilo que vamos aprendendo no seio das nossas famílias e no seio da própria sociedade. Contribui decisivamente para formatação da sociedade. Isso é verdade, mas não podemos seperar da responsabilidade que cabe a cada um de nós individualmente: no seio das nossas famílias, na sociedade, na comunidade. De qualquer das formas, na educação temos uma preocupação com a defesa dos valores intrínsecos da cabo-verdianidade. Falo da identidade linguística, da identidade cultural, dos valores ligados à democracia, à tolerância, à paz, à defesa do ambiente, respeito mútuo. Estes valores estão dentro as nossas preocupações e das preocupações dos professores também. Estamos a transmitir isso, e por isso é que introduzimos a Língua cabo-verdiana, para valorizar as nossas tradições linguísticas. A disciplina de História também contribui para ajudar as novas gerações a compreenderem o nosso passado e desejamos que seja neutra do ponto de vista ideológico, que transmita apenas e só os factos, sem prevalência de uma visão ideológica sobre uma outra visão, deixar o individuo fazer as suas escolhas livremente. Portanto, o sistema procura contribuir para o fortalecimento da identidade nacional, da tolerância, promoção da praz, protecção do ambiente, sã convivência entre os cidadãos, respeito da liberdade individual de cada indivíduo, valorização da Língua Cabo-verdiana, da nossa identidade e tradições culturais, da nossa música, dos nossos hábitos e costumes. Então é preciso preservar, também numa perspectiva de que não podemos descurar aquilo que é a nossa identidade, mas também numa perspectiva de simbiose com aquilo que é a vanguarda e as tendências mundiais contemporâneas.
Para terminar, sobre o ensino superior. Qual a estratégia para o ensino superior no país?
Como sabe as universidades gozam da ampla autonomia. Sobre a oferta formativa das universidades, desejamos que esteja em linha com as necessidades internas de desenvolvimento económico, social e científico do país. Desejamos que as universidades conheçam bem aquilo que são as prioridades de desenvolvimento de Cabo Verde, para poderem alinhar e as universidades, no geral, procuram fazer isso. Nas universidades públicas, onde o governo pode ter uma intervenção indirecta ou directa, estamos à procura do alinhamento. Foi criada a Universidade Técnica do Atlântico, em São Vicente, para responder a uma reivindicação local e regional, por um lado, mas especialmente para alinhar a oferta formativa com a especificidade da economia centrada em São Vicente, e já agora no Sal e em Santo Antão. Portanto, estaremos a responder àquela necessidade e àquele contexto económico, social e cultural daquela região. Na Praia, , temos a Universidade de Cabo Verde que também alinha com as necessidades da região de Sotavento. Por isso é que estamos com a trabalhar com a UNICV para estender a oferta formativa, estender alguns cursos em alguns domínios científicos na região Fogo e Brava. Do mesmo modo, na região norte do país vamos ter já no ano lectivo 2022/23 cursos na área das ciências agrárias em Santo Antão.
Disse recentemente que queria investir mais na investigação. Pode comentar?
É verdade que é preciso melhorar cada vez mais a investigação de base académica, no seio das universidades, mas também a investigação aplicada para propiciar a transferência de conhecimentos e da tecnologia para o sector produtivo. Então é preciso, de facto, um alinhamento e neste sentido está sendo elaborado o Plano Nacional da Ciência que vai procurar estruturar respostas em termos das políticas públicas para fomentar a investigação, nomeadamente a investigação aplicada ao desenvolvimento. Depois temos a questão da revisão do quadro normativo de funcionamento, quer do ensino superior, quer da ciência e estaremos - e o programa do governo aponta neste sentido - , a revisitar a legislação existente para ver se há necessidade de actualização. Pode haver, particularmente na governança das universidades públicas. É um dever do Estado garantir a estabilidade, a perenidade e sustentabilidade das universidades públicas, então é preciso equilibrar para que a gestão corrente das universidades não ponha em risco aquilo que é a estratégia do desenvolvimento do ensino superior e da ciência. Mas ainda não fizemos esse exercício, que terá que ser realizado. Temos igualmente a questão do financiamento do ensino superior e da ciência. No financiamento, as universidades públicas já beneficiam da comparticipação do Estado através do Orçamento do Estado no equivalente a cerca de 40% dos gastos de funcionamento das universidades. Para além disso, uma boa parte dos alunos beneficiários de bolsas de estudo, embora esse financiamento seja aos alunos, frequenta as universidades públicas e, portanto, há um financiamento indirecto. Depois temos todo o contexto de funcionamento de garantia de qualidade do sistema de ensino superior. Implementamos a Agência Reguladora. Está a decorrer, neste momento, a avaliação externa das instituições de ensino superior, mas também faz a avaliação da qualidade dos ciclos de estudos. Se não me engano já foram avaliados até agora mais de 20 cursos superiores para verificar as condições de funcionamento dos cursos, os planos de estudos, as condições de docência, dos professores se têm formação se não tem, se há condições laboratoriais e se as saídas profissionais e a empregabilidade estão em linha com aquilo que se perspectiva no âmbito desses cursos. Portanto, penso que no sistema de ensino superior, apesar de estar em constante mutação, à semelhança de outros sectores, há um quadro institucional da estabilidade. É preciso revisitar, mas há um quadro e estabilidade. Temos um novo reitor da UNICV, eleito entre os pares, e um novo reitor na UTA e ambos estão a trabalhar e a articular com o governo nas matérias em que deve haver articulação e sintonização. Temos as universidades privadas com quem temos um diálogo também normal, mas que é preciso aprofundar, temos a secretaria de estado que procura dar respostas e acompanhar o desenvolvimento. Aliás, é a secretaria de estado que está a coordenar a elaboração do plano nacional da ciência.
Alguma previsão de quando estará pronto?
Estimamos que o plano estratégico da educação e do ensino superior esteja concluído ainda neste ano, e o plano da ciência logo a seguir.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1084 de 7 de Setembro de 2022.