No debate da qualidade, reconhece-se que tem havido um investimento nas infra-estruturas, mas há a crítica de que não é acompanhado por uma valorização e investimento nos professores. É uma crítica válida?
Não é de todo verdade. Nós temos pensado a estrutura educativa no seu todo e olhado para todas as vertentes ao mesmo tempo. Obviamente, há umas que sobressaem mais do que outras, mas temos é que, se calhar, nos comunicar melhor neste sentido. Este debate sobre a qualidade da educação não é novo. É uma questão que está na ordem do dia em todos os países e nós não somos alheios a isto. E o conceito daquilo que é qualidade também fica um pouco refém daquilo que é o ponto de vista das pessoas, daquilo que definem como qualidade e do próprio ângulo de análise. Precisamos é de pontuar algumas questões e falar de modo geral sobre o que temos estado a fazer em termos de educação, que é integrar tudo isto. Não há pontas soltas, digamos assim. A qualidade advém de um conjunto coerente de vários processos e nós sabemos claramente qual é o papel do Estado, qual o papel da escola, o papel dos professores, para que tudo se encaixe e haja qualidade. Falando dos professores, o professor é o centro da reforma educativa. Temos consciência de que, por mais que invistamos em equipamentos, em infra-estruturas, nada se compara ao papel do professor, porque só ele é que pode fazer com que, efectivamente, funcionem os aspectos mais importantes da educação, que é o ensino e a aprendizagem. Por isso, temos dado uma atenção muito especial aos professores. Em relação às pendências, desde 2008 e até 2016, tudo esteve parado. O nosso principal compromisso foi assumir essas pendências e, de 2016 para cá, todos os anos publicamos uma série de actos administrativos e vamos publicar brevemente [a resolução] de algumas pendências relativas às reclassificações e subsídio por não redução de carga horária.
Mas as pendências continuam a ser uma queixa recorrente.
Neste momento, todos os professores, até 2017, foram reclassificados. Falamos de 2.277 professores. Vamos agora reclassificar de 2017 a 2020 e contamos que as reclassificações sejam publicadas no Boletim Oficial, no próximo mês. O processo dos subsídios por não redução de carga horária esteve congelado de 2010 a 2016. Desde então já houve um grupo de 1.929 beneficiários e continuamos a resolver esses subsídios, até 2020. As progressões a mesma coisa. Isto tudo representou um esforço financeiro, de 2016 para cá, de 800.000 contos.
Então, porque persistem estas queixas?
Temos que ver aquilo que é o ângulo de análise das pessoas e o que é que estas querem atingir. Mas, na educação, estamos a trabalhar fortemente para que realmente o ensino seja visto em todas as vertentes. Portanto, nós, em termos daquilo que é tarefa do Estado, ampliamos a obrigatoriedade da educação, que era até ao 6.º ano, passou a ser o 10.º ano de escolaridade obrigatória e a perspectiva é continuar até ao 12.º ano. Garantimos igualdade de condições de acesso e permanência nas escolas, com igual oportunidade de sucesso porque os alunos têm que ter também essa igual oportunidade.
Há alunos que não têm sequer dinheiro para fotocópias e outros materiais.
Os manuais estão sendo editados para que acabemos de vez com as fotocópias. Vamos ter manuais do 9.º ao 12.º ano. Os manuais do 9.º vão estar disponíveis agora e, em todos os anos, em função da reforma educativa, vamos colocar os manuais no mercado. Retiramos as propinas para o ensino secundário. Portanto, estamos com um conjunto de acções para que os alunos tenham as mesmas condições de sucesso.
Ainda falando dos professores. Estivemos a falar da parte financeira. E a nível da formação?
Existe um Plano Nacional de Formação de Professores. Neste momento, a nossa preocupação é a formação contínua dos professores, porque a formação inicial é garantida pelas instituições de ensino superior. Os professores só entram no sistema sendo licenciados. Estamos a trabalhar com as universidades para, dentro daquilo que é o Plano Nacional de Formação de professores, podermos fazer os ajustes necessários para que a formação inicial satisfaça aquilo que são as exigências do sistema educativo. As universidades têm mostrado abertura, aliás, fazem também parte do Conselho Consultivo, que vai gerir a formação contínua, e essas formações vão ser ministradas pelas instituições de ensino superior em parceria com o Ministério da Educação. Vamos montar 22 centros de formação contínua, em todos os concelhos de Cabo Verde, que é para os professores poderem, em qualquer momento, ter acesso às formações. Não são apenas pequenas capacitações, são formações creditadas e que são validadas ao nível das instituições de ensino superior.
Faz sentido terem 22 centros? Conseguem garantir qualidade formativa em todos?
Com certeza. O projecto que está sendo montado desde 2019 e que é financiado inteiramente pelo Banco Mundial. Houve um concurso internacional, já foi seleccionado o fornecedor dos equipamentos, que vão estar disponíveis em Maio/Junho e contamos montar os centros todos até ao início do ano. Todos os centros vão ter um gestor, que já foi formado e vamos ter, aqui na direcção nacional, um centro-mãe para gerir os outros centros. Estamos na fase final da montagem.
Quais os critérios para definição das formações?
Fez-se um estudo alargado, há um conjunto de acções que precisam ser melhoradas a nível da supervisão pedagógica. Portanto, vários outros níveis que já foram muito bem mapeados e que nós estamos a trabalhar nas formações. Cada professor, dentro de um leque de várias formações que vão ser disponibilizadas, escolhe a que melhor lhe vai servir de acordo com aquilo que são as suas necessidades pessoais. O plano prevê que faça pelo menos três formações por ano, ou seja, uma formação por trimestre.
Não é demasiada sobrecarga para os professores?
Não. É uma formação de 200 horas, mas ele faz a formação em casa. Leva todo o material, faz quando puder, em casa, e no final do trimestre faz a avaliação, no sistema, no qual já estão sendo treinados.O professor sempre tem que fazer formação. É um auto-investimento e os professores não vão pagar nada. E é feita de acordo com aquilo que o professor entende que são as suas deficiências. Se eu preciso de uma capacitação numa determinada área, escolho determinada formação, faço-a sem custos em termos monetários. O que estamos a fazer é disponibilizar formação para quem puder e quiser fazer.
Mas não dentro do seu horário laboral?
Claro que não. O professor tem o seu horário laboral e depois tem uma formação que ele escolhe.
E se não quiser? O que acontece a quem não tem créditos?
Estamos a trabalhar para, em termos do desenvolvimento da carreira docente, conforme a formação que o professor fizer, conforme os créditos que conseguir, o professor poder ter um desenvolvimento da carreira condizente com aquilo que foram os créditos.Mas todos os professores devem investir diariamente na sua auto-formação e naquilo que é a formação contínua para poderem estar à altura daquilo que são os desafios actuais da educação. Dominar tecnologias é claramente um deles. O domínio de línguas estrangeiras é também uma outra vertente com que trabalhamos muito, para além de aquilo que são os aspectos didáctico pedagógicos.
Esse sistema de créditos já existe em outras paragens. Outra “importação” foi a não reprovação em determinados anos – embora em outras realidades o sistema apoio e recuperação de estudos tenha melhores condições. Como vê as críticas contra a não reprovação dos alunos?
Os alunos, do 1.º ao 4.º ano de escolaridade, reprovam sim. A transição não é automática como insistentemente vêm dizendo. O professor, no final do ano, avalia o aluno e vê se este atingiu os objectivos mínimos que foram traçados para a disciplina ou não. Se o aluno não os atingiu cabe ao professor desencadear um conjunto de procedimentos para reter o aluno. Isto vai acontecendo todos os anos.
Mas necessita, por exemplo, da autorização dos pais.
Obviamente. O aluno do 1.º, 2.º, 3.º ano de escolaridade ainda está a tomar contacto com algumas situações de aprendizagem, precisa de algum tempo para poder assimilar. Não pode ser, digamos assim, reprovado, de qualquer forma, o que pode constituir um trauma para o resto da vida. Por exemplo, ser rotulado como alguém que não entende de matemática, logo no 1.º ano, porque teve então um problema com a essa matéria. O que entendemos é que se deve dar tempo para que o aluno e que no ano seguinte o professor possa elaborar um plano para acompanhar os alunos, que tiveram objectivos mínimos, e trabalhar com eles para cumprirem todos os objectivos. No 4.º ano de escolaridade todos fazem exames.
Na prática, poucos ficam retidos até ao 4.º ano, o que depois cria situações nas turmas desse ano.
Passam todos os alunos que atingirem os objectivos mínimos. Portanto, não é todos.
Mas é difícil e burocrático conseguir reter o aluno antes. E se os pais não concordarem não fica retido.
O professor sabe o que tem que fazer. O encarregado de educação pode querer que o seu filho tenha aprendizagem significativa, portanto, se acompanhar o seu filho e perceber que no 1.º ano este não conseguiu compreender aquilo que são os conceitos básicos, as letras, os números, contar, portanto, aquilo que são os objectivos mínimos de literacia ao nível da matemática e da lecto-escrita, o próprio pai pode desencadear este processo, mesmo que o professor não queira.
E a burocracia para poder fazer a retenção?
Não há nenhuma burocracia. O professor, nesses anos, só diz: “o aluno não atingiu objetivos mínimos para passagem”, chama encarregado de educação e preenchem uma pequena ficha de uma página só. Isso faz-se em menos de cinco minutos. Agora, o professor, claro, tem de acompanhar o aluno desde o primeiro dia, não é chegar no final do ano e decidir que transita ou não transita de ano. Tem que acompanhar o aluno, identificar bem os alunos que estão com os objectivos mínimos e acompanhar esses alunos. Decidir se o aluno está em condições de fazer a transição para o ano seguinte é uma tarefa que cabe unicamente ao professor e a responsabilidade do aluno transitar de ano ou não é o professor. Não há nenhum documento escrito, nenhum dirigente do Ministério da Educação que dê ordens claramente sobre a passagem de um aluno. Portanto, quem decide se o aluno transita ou não é o professor e os pais. No 4.º ano, há o exame nacional e o aluno só conclui o primeiro ciclo se tiver uma nota mínima nesse exame nacional.
No terreno encontramos turmas da 4.ª classe com muito mais alunos e com muitas deficiências…
Os anos terminais [são assim] porque temos que estabelecer objectivos em termos daquilo que é o sistema educativo. O aluno só transita de ciclo cumprindo os objectivos que estavam programados para o anterior. Obviamente há uma taxa de repetência muito maior no 4.º ano e no 8.º ano de escolaridade. A taxa de retenção é maior em relação aos outros anos, mas não quer dizer que haja passagens automáticas nos outros anos.
Quem chega aí arrastado tem menos probabilidades de sucesso escolar.
Antes, os alunos passavam do 4.º para o 5.º ano de escolaridade, desde que não tivessem deficiência na língua portuguesa e matemática, ao mesmo tempo. Poderiam passar com duas disciplinas, agora não. O aluno, para passar do 1.º para o 2.º ciclo tem que ter aprovação em todas as disciplinas.
Na mudança de ciclo, mas alguns professores contam que do 6.º para o 7.º, que não é mudança de ciclo, mas muitas vezes é mudança de escola, só precisavam de ter positiva a matemática e a português.
Não, não pode. As condições de transição são claras e estão publicadas no boletim oficial. As pessoas dizem o que quiserem, mas nós não trabalhamos com achismos. Existem leis que são programadas ao nível do Sistema Integrado de Gestão Escolar, que gere todo o sistema educativo, e ou o aluno cumpre com aquilo que são as regras de transição ou não. Está publicado no boletim oficial, não é passível de [alteração]...
Mas os resultados são bons?Não estou a falar de números...
Não é números, mas nós temos de falar deles também porque aquilo que mede a eficácia do sistema também são os resultados que estão sendo conseguidos. As taxas de aprovação, as taxas de abandono, sobretudo, têm diminuído porque, para garantir condições de acesso e permanência, temos que ver esses indicadores. As taxas de abandono têmdiminuído. Infelizmente, ainda não conseguimos capitalizar todos os alunos que não abandonam, mas não conseguem transitar. Não abandonar o sistema e ficar no sistema ad eternum, é uma parte que temos que melhorar. Mas, o ensino hoje está muito mais exigente do que era . Repare, a grande questão da Matemática, de que os alunos não têm preparação em matemática, por exemplo. Introduzimos na reforma curricular a matemática em todas as áreas disciplinares: matemática para as artes, para a área humanística, para além do económico social e da área científica tecnológica. O aluno para passar para o 10.º ano, tem que ter todas as disciplinas feitas. É um conjunto de exigências que introduzimos para podermos ter critérios que são comparáveis ao nível internacional e podermos ver como é que está a nossa avaliação. Fizemos uma avaliação internacional para os alunos do 2.º ano, o EGRA(Early Grade Reading Assessment), que avalia as competências de leitura e de escrita. O relatório já foi feito, será divulgado em breve, e diz claramente que as competências ao nível de leitura dos alunos do 2.º ano hoje são muito melhores do que eram há uns anos. Os alunos melhoraram significativamente, nesse aspecto, com a reforma educativa. O que é estamos a fazer é criar evidências para que qualquer um possa avaliar o sistema educativo, a qualidade do ensino, mas com critérios claros e comparáveis a nível internacional . Estamos a preparar o sistema educativo para podermos entrar nos rankings internacionais de classificação. Não temos medo, porque sabemos como é que estamos a preparar o sistema educativo. Podemos não estar nas melhores posições, mas se não entrarmos, vamos ficar sempre nesse achismo de dizer que tudo está mal feito, de comparar a minha geração com a anterior... Dantes havia professores que leccionava no sistema, com o 5.º ano, actual 9.º ano de escolaridade. Agora o professor que entra é licenciado. Os professores não são menos competentes do que que eram anos atrás? Temos infra-estruturas escolares que oferecem todas as condições para o ensino-aprendizagem. É verdade que temos algumas escolas que precisam ser melhoradas e vão sendo, mas desde 2016 houve muito investimento. Basta fazer uma ronda, em todas as ilhas, para ver a qualidade daquilo que são as infra-estruturas escolares. Estamos a trabalhar para melhorar. A qualidade, claro, não é algo que se atinge de uma hora para outra. Temos que trabalhar, atingir padrões de qualidade, que sempre vão ser melhorados. Mas dizer que o sistema educativo hoje está pior do que era antes? Isso só quem realmente não conhece aquilo que está sendo feito...
A reforma em curso contempla um grande enfoque no pré-escola. Para quando a reforma do pré-escolar?
Neste momento, já implementamos a reforma do ensino básico, e estamos a agora a fazê-lo no secundário. Estamos também a preparar legislação, porque todo o pré-escolar está nas mãos das Câmaras Municipais, entidades religiosas e de privados. Então, o que estamos a fazer é, primeiro, criar legislação que nos permita fazer a universalização, ter, pelo menos, um ano ao nível do pré-escolar que seja obrigatório e gratuito. Portanto, que seja um ano preparatório. Estamos a elaborar todo o quadro de referência para qualidade, já no pré-escolar. Estamos a fornecer um conjunto de materiais didácticos a todas as creches ou aos jardins infantis que têm o pré-escolar, sobretudo os jardins que estão no domínio da esfera pública, das câmaras municipais e confissões religiosas, para poderem já começar a adaptar-se. Temos coordenadores do pré-escolar que, a nível pedagógico, controlam a acção que é feita dentro dos jardins infantis públicos e privados e que acompanham tudo aquilo que são as orientações que damos para o pré-escolar. Temos é que sentar com as câmaras municipais, com a parte religiosa e com os privados para podermos ter o entendimento necessário. Terminando o 12.º ano, arrancaremos com a reforma do ensino pré-escolar.
Mas como está o pré-escolar?
A parte pedagógica tem sido acompanhada pelo Ministério da Educação e temos feito acções de capacitação com as monitoras. Mas, repare a questão salarial, por exemplo, que precisa ser melhorada, é precisam integrar aquilo que é carreira docente, mas isso só podemos fazer se estiverem todos na esfera pública. Nós não podemos pagar a todas as monitoras, o preço daquilo que é um professor, estando ele no privado. Existem um conjunto de coisas que têm que ser acauteladas. Também não vamos agora de uma hora para a outra pegar nos privados e dizer "Vocês vão ter que assumir essa responsabilidade de pagar o salário do monitor de acordo com aquilo que é o salário que se paga um professor". Há um conjunto de coisas que estão sendo trabalhadas e que vêm sendo trabalhadas para que tenhamos todas as bases para dizer "a partir deste ano, será a partir do momento em que terminarmos a Reforma educativa em 2026,
Educação de infância. Nós temos geralmente as educadoras e Todas monitoras ajudantes? Educadora é que é equirada a professores?
O próprio Estatuto do Pessoal Docente já prevê isto. Mas o problema é que não estão dentro daquilo que é o domínio ou a esfera do Ministério da Educação. A maioria está nas câmaras municipais e nos privados. E é este entendimento com a associação de Municípios que estamos a tentar criar para que , no final da implementação da reforma do ensino secundário, podermos pegar no pré-escolar e resolver de vez essa questão.
Uma das questões da importância do pré-escolar prende-se com as bases para o domínio da Língua Portuguesa (LP), que é considerado um calcanhar de Aquiles. O que se passa com o ensino de português? Vemos por exemplo crianças a falar melhor do que alunos do secundário. Porquê?
Desde o pré-escolar até ao 12.º ano, o português é disciplina obrigatória. No pré-escolar, já formamos centenas ou milhares de monitores em LP, porque os alunos têm que ser familiarizados, desde logo, com a LP. A nível do ensino básico e do ensino secundário é disciplina fundamental, a par com a matemática. Portanto, são veículos: primeiro a questão da língua e depois o raciocínio lógico. Temos dado grande enfoque a essas duas disciplinas. Infelizmente, são disciplinas que geram problemas a nível mundial. Isto acontece nos outros países de expressão portuguesa com o português e acontece com a matemática. O que estamos a fazer é criar mecanismos para os alunos terem melhores condições de ensino-aprendizagem.
Mas muitos dizem que cada vez se fala pior português em Cabo Verde. Porque acho que isso acontece?
É muito devido à influência dos media. Hoje os alunos têm contactos diversos que podem perturbar aquilo que é o desenvolvimento normal da língua, mas não se podem queixar dos programas, porque nos programas de LP estão alinhados com os sistemas educativos a nível de Portugal e de outros países que falam a LP.
Aqui é segunda língua.
Com certeza, mas é a língua oficial de ensino do 1.º ao 12 º ano, portanto só se ensina em português. Aliás, o professor não pode dentro de uma sala de aula expressar-se em língua crioula para transmitir conteúdos. O português é a língua veicular do conhecimento. Por isso é tivemos a necessidade, depois, de introduzir o crioulo, porque também precisamos que o aluno perceba melhor aquilo que é o crioulo e possa falar crioulo conhecendo as suas bases. Isto pode melhorar também o nível do ensino de LP.
Introduziu-se a disciplina de Língua Cabo-verdiana (LCV) sem materiais para a mesma.
Os professores de LP em Cabo Verde são formados em estudos cabo-verdianos e portugueses, portanto, conhecem os fundamentos. Criamos agora a disciplina de LCV no 10º ano de escolaridade, onde os alunos já têm alguma capacidade de pesquisa, e não logo no 1.º ano porque não temos materiais didácticos que suportem o ensino-aprendizagem. Estamos a trabalhar manuais, para termos todos os materiais didácticos que têm as outras disciplinas, para que os alunos possam perceber melhor aquilo que é fundamento da sua língua materna que o possa ajudar naquilo que é a língua veicular de ensino, que é a LP.
E as experiências de ensine bilingue que tivemos, foram abandonadas?
Nós não temos nenhum relatório sobre aquilo que foi este projecto. Conheci o projecto porque sou profissional da educação há muitos anos e mesma não estando [na altura] na posição de dirigente venho acompanhando o que existiu. O projecto ocorreu no âmbito de um projecto de doutoramento de uma pessoa que trabalhou em algumas escolas e implementou algumas acções e, por aquilo que eu conheço, resultados até foram satisfatórios, mas que não davam para integrar naquilo que era o sistema educativo na altura. Isto terminou em 2015 ou 2016 com o projecto de doutoramento da professora. Fui delegado de educação em 2016 e não conheci desde essa data nenhum relatório sobre o projecto e enquanto director nacional da educação também não conheço.
Então já não existe nenhuma experiência do género?
neste momento não, nós estamos agora é abertos para, com os especialistas nestas matérias e com as experiências passadas, podermos construir aquilo que é a base da LCV, que auxilie naquilo que é o ensino aprendizagem do português para os alunos, com as duas línguas lado a lado, poderem melhor orientar o seu processo de ensino-aprendizagem.
Outra coisa de que os professores também se queixam é de falta de autonomia. Cada turma e em cada local são diferentes, reconhece uma certa falta de autonomia?
A profissão de professor é das profissões mais autónomas que existem, dentro da sala de aula. Claro que temos de estabelecer balizas, temos de ter currículos, é papel do Estado ter programas ter manuais escolares e definir aquilo que quer para o sistema educativo, mas o professor usa de mil e um recurso para poder atingir os objectivos que estão traçados. A escola em si tem a sua autonomia, pode contruir o seu próprio projecto educativo, aliás terminou agora uma formação para todos os dirigentes escolares sobre o projecto educativo. Portanto, a própria escola tem autonomia para criar o seu projecto educativo, saber onde está, onde quer ir, dentro das balizas que são traçadas ao nível nacional. Mas não pode cada um ir para a sua sala de aulas e fazer o que lhe apetecer, tem que haver orientações gerais para que possamos atingi aquilo que é a principal ambição do governo e que é alinhar o sistema educativo cabo-verdiano com aquilo que são as melhores práticas ao nível dos países da OCDE.
E os agrupamentos? Há várias vozes críticas. Foram a melhor opção?
A questão dos agrupamentos escolares foi equacionada em 2016. O vamos fazer neste momento é uma avaliação rigorosa sobre aquilo que foi a implementação da legislação e corrigir onde for necessário para melhorar o sistema. Nós decidimos introduzir as línguas estrangeiras a partir do 5.º ano de escolaridade e até ao 12.º ano. O professor tem de ter uma carga horária [definida] e não pode estar a andar de escola em escola, sobretudo nos concelhos que são mais dispersos. Não pode ir a uma escola para dar aulas a 10 alunos e depois deslocar-se para uma outra localidade para dar a mais 15, etc. Por isso é que houve a ideia de agruparmos as escolas a partir do 5.º ano de escolaridade. Os alunos do 1.º ao 4.º ano estudam ao pé de casa, nas escolas básicas que já existem do 1.º ciclo, os alunos a partir do 5.º ano de escolaridade, ou do 8.º, depende dos concelhos, deslocam-se. Esta foi a via que encontramos para viabilizar o ensino das línguas estrangeiras. Tivemos de agrupar as escolas, temos os agrupamentos em todos os concelhos.
Vão fazer a avaliação?…
Vamos fazer agora uma avaliação sobre aquilo que foi a implementação da legislação sobre os agrupamentos, e vamos também os pontos fracos em alguns concelhos em que não se conseguiu efectivamente tirar o máximo de proveito, porque os agrupamentos foram também implementados com a missão de termos maior eficiência e eficácia na gestão ao nível dos recursos. Não podemos ter directores em todas as 400 e tal escolas do país, então temos um director e uma equipa directiva que vai trabalhando com as várias escolas. Portanto, são os primeiros passos com esse modelo, é natural que alguma coisa tenha falhado e vamos fazer a avaliação institucional e ver até que ponto é que podemos melhorar. As avaliações serão publicadas e todos terão acesso.
Entretanto, tivemos também a pandemia e depois várias medidas para tentar colmatar o tempo perdido. Que avaliação faz dessas medidas?
Conseguimos recuperar algumas das aprendizagens que ficaram para trás. Durante a covid tivemos um tempo com as escolas completamente fechadas, depois, no ano seguinte, houve escolas que conseguiram trabalhar durante o horário normal, mas nos concelhos maiores não foi possível e trabalharam apenas 50% do tempo. Nos anos seguintes a orientação que é dada aos professores é de recuperarem sempre os conteúdos que ficaram para trás. De certa forma isso tem sido conseguido. Vamos, em Maio, fazer uma avaliação aferida, para podermos ver precisamente até que ponto as aprendizagens estão consolidadas. As provas de aferição serão feitas aos alunos do 2.º e 6.º ano (alunos que estavam há dois anos no 4.º ano) e vão servir sobretudo para aferimos aquilo que foi aprendizagem neste período e ver se ainda há necessidade de introduzir mais correcções para recuperar as aprendizagens.
A educação não é só responsabilidade das escolas. Como é que a sociedade vê os profissionais da educação? Os professores estão a perder estatuto e respeito ?
Com a massificação do ensino isto já se sabia que ia acontecer. Se antes o professor era elemento destacado da sociedade na sua zona, agora temos escolas em todas as localidades. Houve uma massificação do ensino e é natural que o professor deixe de ser o centro da aprendizagem.
Mas o que a Direcção faz para dignificar a classe?
Fá-lo sobretudo dando condições de trabalho ideai. Condições ao nível de infra-estruturas escolares, trabalhar em escolas onde o professor e o aluno se sintam bem, olhar para a carreira do pessoal docente com uma perspectiva de desenvolvimento que o satisfaça e neste sentido nós estamos a trabalhar para eliminar a palavra pendência daquilo que é o “vocabulário” dos professores porque é inadmissível que isto se tenha acumulando ao longo dos tempos. Foi de 2008 até 2016, como referi, e obviamente não podemos tratar só de 2016 para a frente, tínhamos de ver todos os que tinham ficado para trás desde 2008.
Temos assistido inclusive a casos de violência e falta de respeito por parte dos pais. Como a DNE protege os professores?
Os casos de violência são totalmente inaceitáveis. A nível da segurança na escola, por causa da não admissão de pessoal na função pública, tivemos um défice de pessoal de apoio operacional, mas há neste momento um concurso para entrada de pessoal operacional, o que vai “proteger” a escola de pessoas que realmente não podem interpelar o professor ao ponto da violência. Também estamos a trabalhar com a Polícia Nacional no programa escola segura, que não é só a presença física da PN em algumas escolas, é também o plano de formação em que a própria PN possa estar mais perto da comunidade e melhor orientar os pais. Violência para com o professor, dentro do seu posto de trabalho, é inaceitável e é um caso de polícia. Estes casos sempre existiram, são casos esporádicos que podem sempre acontecer, mas cabe à escola proteger ao máximo o professor. Dentro da sala de aula ele é a autoridade máxima e tem de estar protegido para fazer o seu trabalho.
A educação ainda é vista como uma coisa importante em Cabo Verde? As crianças hoje em dia querem é ser Tiktokers, Youtubers, jogadores de futebol…
A educação é o meio essencial para podermos atingir as grandes metas. Para nós, enquanto profissionais da educação, [essa tendência] só pode ser vista deste ponto de vista: temos é que oferecer elementos de qualidade suficiente para que o aluno possa, pelo menos, concluir uma licenciatura, para poder desenvolver melhor aquilo que pretender fazer no futuro. Se quer ser um Tiktoker, que seja um bom Tiktoker. Nós temos é de dar as ferramentas para o aluno depois seguir aquilo que consegue, que quer. Acredito que um Tiktoker licenciado tem claro de ser diferente de um Tiktoker que não tenha uma formação ao nível ensino superior
Para terminar, quais os conceitos-chave para a busca da qualidade no ensino cabo-verdiano?
É nossa prioridade, neste momento, trabalharmos em várias vertentes para que haja elementos que permitam às pessoas - sobretudo às que não se preocupam em perceber aquilo que se está a fazer para poderem opinar- dizer, com critérios objectivos, que se atingiram ou não as metas. Para poderem falar com autoridade sobre aquilo que é a qualidade. A nossa primeira prioridade agora é terminar a reforma educativa com enfoque nas línguas, tecnologia e o ensino das ciências. Vamos ter laboratórios tecnológicos em todas as escolas do país, o concurso já está na fase final, estamos numa fase de organização interna para distribuirmos os materiais informáticos para os agrupamentos. A prioridade é, pois, terminarmos a reforma educativa e avançarmos com a reforma do pré-escolar. Depois, monitorar o sistema educativo. Entretanto, queremos, no próximo ano, fazer uma avaliação internacional. Estamos a trabalhar com vários parceiros para termos factores que permitam comparabilidade com outros países, para vermos onde é que estamos e não ficarmos só com a visão do nosso país e vamos em 2024 ou 2025 entrar no PISA for Schools - PISA-based Test for Schools (PBTS) - , que é uma modalidade nova, diferente do PISA habitual. Vamos fazer duas participações no PBTS para nos preparar para entrarmos no PISA (até 2030). Esta é a nossa ambição, estamos a preparar o sistema educativo e já estamos a ter bons resultados. O EGRA deu-nos elementos para estarmos esperançosos. Vamos continuar com avaliações aferidas e internacionais. Queremos ter cada vez mais factores que permitam às pessoas falar com autoridade, sem achismos e sem pontos de vista que desvirtuam aquilo que é o trabalho que está a sendo feito nas escolas, pelos professores, pelos funcionários de acção educativa e pelo Ministério da Educação em geral, que tem olhado para a questão da reforma educativa com seriedade, tem trabalhado para que o nosso sistema educativo seja um sistema em que o aluno sai do ensino secundário e tenha condições para integrar qualquer sistema de ensino superior ao nível internacional.
A reforma está, então, a funcionar?
A reforma educativa do ensino básico que já foi concluída e vamos, com especialistas na matéria, fazer um estudo, uma avaliação, para sabermos se a reforma atingiu os objectivos que queríamos e avaliar todos os aspectos positivos e os aspectos que precisam de ser melhorados. Se for necessário, vamos implementar reajustes, mas não em termos de legislação que já está estabelecida. Já fizemos esse trabalho de casa antes, mas, claro, todas as reformas, par todas as acções que implementamos temos que ter o mecanismo de avaliação para depois podermos melhorar lá onde for possível porque não podemos ter a pretensão para fazer tudo muito bem logo à primeira. Vamos terminar a reforma do ensino secundário, e fazer a mesma coisa. E depois, daqui a alguns anos ter um sistema educativo consolidado em que não se faz uma reforma educativa de cinco em cinco anos, quando sai um governo e entra outro.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1117 de 26 de Abril de 2023.