“Não há reformas constantes. É preciso desmistificar”

PorSara Almeida,17 set 2023 15:03

Amadeu Cruz - Ministro da Educação
Amadeu Cruz - Ministro da Educação

Com olhos no novo ano lectivo e pés assentes na realidade e limitações cabo-verdianas, o ministro da educação faz o ponto de situação da reforma educativa, iniciada em 2017, e dos caminhos que se pretendem para o ensino cabo-verdiano.

A almejada convergência com os países da OCDE ainda está, admite-se, longe, mas passo a passo este é um objectivo do qual se está hoje mais próximo, com a convergência curricular e a aposta em outros pilares fundamentais como a transição digital. Amadeus Cruz, destaca a procura de diálogo e consensos em torno da Educação, essa empreitada que une e deve unir os cabo-verdianos, e aponta ainda a necessidade de reestruturar os currículos dos cursos de formação inicial de professores e os desafios da aposta na investigação ao nível universitário e institucional. Estes são alguns temas abordados nesta entrevista realizada a poucos dias do regresso às aulas.

A Educação é um contínuo. Conhecemos já alguns indicadores do ano passado, e começava com um balanço. Que ilações?

Relativamente ao balanço do ano transacto, constatamos que há uma estabilidade no funcionamento das escolas e uma normalidade, igualmente, dentro de todas as estruturas do Ministério da Educação. Os processos educativos decorreram dentro da absoluta normalidade, não constatámos incidentes de maior durante o ano lectivo. Estivemos a implementar a reforma do ensino secundário. Alargamos a reforma curricular ao 10.º ano, introduzimos novos programas nesse ano, com a novidade de termos introduzido a língua cabo-verdiana, como disciplina opcional, e a matemática como disciplina obrigatória em todas as áreas do conhecimento. Como se sabe, ajustamos o ensino secundário com os padrões europeus. Temos três anos de duração do ensino secundário especializado e temos o 9.º ano que é um ano de transição e portanto, estamos já em linha com os países da OCDE neste quesito, mas é preciso continuarmos a aprofundar.

Tem-se posto o foco nessa convergência com os padrões da OCDE. Demos mais um passo nesse sentido? 

Já demos um passo importante, mas é um processo que vai durar anos. Por um lado, temos a convergência curricular e vão ser necessários três anos até concluirmos a reforma curricular. Depois, é avaliar se, de facto, a reforma curricular conseguiu alcançar os objectivos preconizados, designadamente em termos das competências nas áreas nucleares e podemos sinalizar algumas áreas que permitem a comparação. Áreas como a Matemática e a Língua Inglesa – ver se o aluno que sai do 12º ano em Cabo Verde tem competências equiparáveis às competências obtidas nos países da OCDE, particularmente em Portugal, e se está de acordo com o perfil de ingresso nos cursos superiores nesses países. Portanto, temos que verificar e ter métricas para ver se há convergência no domínio curricular. A conceptualização da reforma educativa vai neste sentido e é um pilar fundamental, mas é preciso ver outros pilares. O pilar do sistema de avaliação das aprendizagens; o pilar da formação dos professores; acção social escolar… É preciso convergir também nas tecnologias educativas, a transição digital; ver se as infra-estruturas estão, de facto, em linha com as exigências da reforma curricular e ver se temos condições para melhorarmos e incrementarmos o ensino experimental nas diversas disciplinas científicas. Ou seja, são vários aspectos e o país vai demorar algum tempo até ter a convergência almejada. Mas é preciso dar um passo e, como disse, o passo da convergência curricular já é um passo fundamental. Isto não quer dizer que daqui a dois anos estejamos em convergência absoluta em termos curriculares. Por isso, daqui a dois ou três anos, temos que fazer a avaliação da reforma curricular para ver se não haverá necessidade de introdução de alguns ajustes em algumas áreas nucleares. 

Uma das queixas que mais se ouve é o cansaço das constantes reformas.

Não é verdade, não há constantes reformas, não há sequer pequenos ajustes. É preciso desmistificar. Este governo e o que o antecedeu, de 2016 a 2021, fez a reforma do ensino básico de 2017 a 2021, que já está concluída, implementada e consolidada. Estamos agora a fazer a reforma curricular do ensino secundário. Iniciamos um processo de avaliação dos resultados da reforma do básico, mas ainda não lançamos o concurso para a selecção da consultoria para a fazer, e só com base nessa avaliação será possível introduzir, se for necessário, alguns ajustes. Até agora não houve introdução de nenhum ajuste. Não há sequer novidades no Básico, está estável. No ensino Secundário vamos entrar agora no terceiro ano de reforma, que terminará em 2026. Já tivemos o 9.º e 10.ºano reformados e vamos entrar no 11.º ano. Portanto, não há várias reformas em simultâneo e mesmo na reforma que está em curso, não há alteração aos seus pressupostos. A reforma está a seguir o seu curso normal. As pessoas, às vezes, interpretam mal e repetem as coisas sem analisar com profundidade. Fizemos a reforma curricular do Básico. Entretanto, era necessário publicar a legislação que aprova as novas matrizes curriculares e a própria conceptualização da reforma curricular do Básico. Em simultâneo, desenvolvemos a conceptualização da reforma do ensino Secundário e, aí, introduzimos a ambição de alinhamento com a OCDE, porque é na ponta final do 12.º ano que podemos medir se há convergência, e publicamos a legislação: quer a legislação que aprova as matrizes curriculares do Básico, quer a legislação que aprova as matrizes curriculares do Secundário. Ora, se não houve nenhuma revisão da legislação que aprova a reforma curricular, como é que as pessoas falam de alterações e de reformas sobre reformas?Não corresponde à realidade. São percepções que as pessoas criam, mas que não têm nada a ver [com a realidade]. 

A queixa terá então a ver com as orientações que vão mandando? 

As orientações pedagógicas são orientações complementares. Não alteram aquilo que está na legislação. As orientações, podem ser, por exemplo, qual o rácio de alunos por sala, ajustamos em função das dinâmicas demográficas e da disponibilidade das infra- estruturas. Penso que só podem estar a referir-se a estas questões, não vejo outra razão de fundo. Havia, por exemplo, muitas críticas na questão do sistema de avaliação. Nós absorvemos, porque pessoalmente não tenho nenhuma aversão das críticas. Mesmo não sendo construtivas, as críticas têm um lado sempre positivo, que nós aproveitamos. Absorvemos, desenvolvemos, e consolidamos a estruturação do sistema de avaliação das aprendizagens e publicámos os decretos-leis. Não houve mudança nos decretos-leis e o sistema de avaliação das aprendizagens, que foi reestruturado, é o sistema que está em vigor. Portanto, nas orientações não pode haver mudanças em relação quer às matrizes curriculares, quer ao sistema de avaliação, porque esses instrumentos são aprovados por decreto-lei. Tinham que ir para o Conselho de Ministros para aprovação e para promulgação do Presidente da República. E, portanto, não há de todo isso que alguns dizem, de forma completamente enviesada. É preciso concentração, é preciso verificar, para termos evidências. Admito que a sociedade, de uma forma geral, possa ter esta percepção, mas os académicos, os líderes dos sindicatos, nós que somos da área política, não podemos estar a dizer isso, porque é um contra-senso. 

Ainda sobre o ano lectivo anterior, uma questão que chama a atenção nos dados do balanço estatístico é o abandono, que teve um aumento bastante grande. 

Na verdade, há uma consistência dos dados dos resultados globais do ano lectivo 2022-2023. Globalmente, há uma melhoria dos resultados, em termos das aprovações. Quanto ao abandono escolar, temos feito um esforço enorme para a sua redução sistemática e consistente e temos uma redução significativa, de 2016 a esta parte. No secundário, baixamos de 6,5% ou 6,8% para cerca de 2% ou 1,5%. Depois, é preciso também verificar a consistência destes dados, porque temos o abandono que resulta, por exemplo, da migração dos pais, que mudam de concelho. Ou seja, temos que expurgar, dos dados estatísticos, o efeito das migrações internas, em direcção ao Sal, Praia, Boa Vista… Quer dizer que houve, particularmente no Básico, saída dos pais para essas ilhas e, portanto, resulta, no concelho de origem, como se fosse um abandono. Pode não ser, mas é preciso de uma análise mais fina. Temos também o efeito das migrações para fora do país. E, portanto, é a combinação de tudo isso. De qualquer forma, são estatísticas do Ministério da Educação, são estatísticas oficiais e temos que fazer fé nessas estatísticas. Mas o ensino Básico, é obrigatório e, assim sendo, cabe ao sistema educativo criar todas as condições para que não haja abandono escolar, por causa da falta de condições dos pais. É por isso que temos as políticas sociais, o funcionamento das cantinas escolares, a isenção total das propinas, a atribuição de materiais sob a forma de kits escolares, exactamente para evitar que as crianças saiam da escola e que tenham condições para permanecer nas escolas. No ensino Básico, estamos ainda a tomar medidas de alargamento paulatino do Programa de Alimentação Escolar, para podermos, também, por esta via, consolidar os dados relativamente ao abandono escolar, que tem diminuído, como eu disse. É preciso ter estas políticas para incrementar o ingresso, o acesso, a permanência das crianças nas escolas e reduzir as assimetrias sociais, territoriais e de acesso aos materiais didácticos. Isso estamos a fazer. 

Um outro problema com que a educação se depara, são os alunos, nomeadamente no Básico, que não têm aproveitamento ao longo de vários anos, mas continuam no sistema a destabilizar professores e colegas. O que se prevê?

Esta é uma questão que estamos a debater neste momento, porque, de facto, temos esse problema e é normal que haja reprovações. Temos o convívio entre crianças e alguns adolescentes nas mesmas turmas o que cria dificuldades de gestão pedagógica das turmas. Estamos cientes, sendo que, como eu disse, o ensino básico é obrigatório e cabe ao Estado criar as condições para que todos os cabo-verdianos em idade escolar possam frequentar a escola e ter a escolaridade obrigatória até o 8º ano de escolaridade. Então, estamos a abordar esta questão, que consideramos ser um ponto que deve ser melhorado e estamos a procura da melhor resposta. Uma resposta que seja inclusiva, que não exclua ninguém do sistema, mas que atenda a estas observações, quer dos professores, quer dos pais e encarregados de educação, quer da sociedade. Esperamos adoptar medidas, mas não tem sido fácil. Nas grandes cidades é possível ajustar as turmas, mas numa localidade em que há só uma turma do 4º ano, como é que fazemos com um aluno que tem várias repetências? É preciso, então, analisar muito bem esta questão, mas estamos cientes de que é um ponto que merece uma reflexão do ponto de vista pedagógico, mas também do ponto de vista da inclusão educativa.

Entretanto, outro fenómeno, que já há muito tempo foi diagnosticado, e que se comprova com os indicadores de 2022/2023: os rapazes não só chumbam mais, como vão sendo menos conforme se vai avançando no nível de ensino. Estão a ficar para trás. Que sensibilidade é que o Ministério tem sobre este problema? 

Na verdade, temos um problema que é quase universal e que decorre do desenvolvimento biológico normal. 

A escola é demasiado voltada para apetências mais… femininas?

Não necessariamente. Tem que ver com o desenvolvimento biológico do crescimento normal do indivíduo. Temos uma incidência de reprovações nas meninas, a partir do 6º ano até mais ou menos o 9º ano e depois a partir do 8º até o 12º temos mais incidência de reprovações nos rapazes. É uma questão para a qual também temos sensibilidade, temos conhecimento e temos que analisar. Não são medidas exclusivamente do Ministério da Educação. Nós, do ponto de vista pedagógico, fazemos tudo o que esteja ao alcance dos professores, em primeiro lugar em salas de aula, mas também em termos das políticas - em matéria da isenção da propinas, da acção social escolar de disponibilização dos recursos didácticos – e fazemos ainda sensibilização e praticamos processos educativos especiais para aqueles que tenham alguma dificuldade: aulas de apoio, assistência psicológica aos alunos… Fazemos tudo isso para melhorar os aproveitamentos, particularmente na idade mais crítica, entre os 14 anos aos 17. Temos aqui um problema que é universal, que não é só de Cabo Verde, e que é de difícil resolução. Mais uma vez regressando à tal convergência com os países da OCDE, temos que estudar em termos comparativos, ver os sistemas, quais são as soluções que esses países estão a adoptar para este problema e tentar adaptar a nossa realidade às políticas adoptadas por esses países para reduzir as retenções naquelas idades mais críticas, dos 14 aos 17 anos.

Entrando na preparação para este ano lectivo. Olhando as redes sociais do ME, em Agosto, mais parecia o MIOTH. Há várias obras a acontecer nas escolas… 

O principal foco do Ministério de Educação é a criação de condições para um bom exercício das da acção educativa e pedagógica. Desenvolvemos, em primeiro lugar, uma planificação na óptica da criação das condições para o exercício da actividade pedagógica e, neste sentido, fizemos a elaboração do caderno de orientações pedagógicas que socializamos e validamos com os delegados na reunião do Conselho Alargado do ministério em Maio. Depois elaboramos o calendário escolar e o despacho correspondente, que foi publicado em Agosto, e definimos também as políticas em termos da acção social escolar. Entretanto, só podemos realizar obras de reabilitação no intervalo de tempo entre Julho a Setembro. As infra- estruturas têm aqui um papel fundamental e por isso é que mobilizamos recursos e estamos a reabilitar. No ano passado já fizemos uma intervenção bastante intensiva, bem como nos anos anteriores. Nos dois últimos governos, fizemos intervenções nas escolas beneficiando quase 400 escolas e gastamos cerca de 1 milhão e 700 mil contos a reabilitar as escolas e este ano 120 / 130 mil contos. 

Qual a obra que destacaria este ano? 

Estamos, como disse, a intervir em várias escolas. Por exemplo, em parceria com a Câmara Municipal de São Filipe foi construída uma escola de raiz e reabilitamos um outra, com a Câmara de Santa Catarina ainda do Fogo reabilitamos quase todas as escolas do concelho, na Boa Vista construímos duas escolas de raiz, no bairro de Boa Esperança e na zona de Rabil, que já estão em funcionamento, estamos agora a construir mais uma escola na Ilha do Sal, com 14 salas de aulas – e nem incluí a construção no orçamento referido. O Sal vai precisar de mais salas de aula. Vamos construir agora, mas temos noção de que o Sal, devido ao dinamismo demográfico decorrente também da dinâmica económica, vai precisar de ajustar a oferta de infra-estruturas educativas, assim como a Praia, a Boa Vista ou São Vicente. Portanto, temos o Plano Nacional da Construção e Modernização das Infra-estruturas Educativas que procura dar resposta, estruturada e de longo prazo, a estas necessidades decorrentes das tendências demográficas do país que tentamos captar no processo de planeamento interno no Ministério da Educação. Estamos a reabilitar escolas na Praia, Santa Cruz, a intervir em Santo Antão, São Nicolau … Eu acho que são todas importantes, são todas obras emblemáticas, mas, talvez pelo seu carácter mais simbólico e histórico, destacaria o início da recuperação e reabilitação do Liceu Ludgero Lima em São Vicente. Mas isso não quer dizer que do ponto de vista das necessidades efectivas, não seja Santa Cruz, por exemplo, onde temos necessidades prementes, ou mesmo aqui a Praia, onde temos que dar respostas urgentes. 

A abertura do ano lectivo vai ser em Ribeira Grande, Santo Antão. Onde, em concreto? 

Vamos realizar a cerimónia central na cidade de Ribeira Grande, no Polidesportivo que foi recentemente construído. Há um ano foi no Fogo e há dois foi na Praia e, portanto, este ano vamos para Barlavento, mas estamos a perspectivar que no próximo ano seja aqui no interior de Santiago. Estamos sempre a redistribuir para ter equilíbrio nacional e para dar a dimensão nacional daquilo que é a educação. 

Neste início do ano lectivo tem colocado o foco no facto de que a educação não é só uma responsabilidade do Ministério, mas de toda a sociedade. Porque este “lembrete”? 

O Ministério tem a responsabilidade de pilotar todas as políticas educativas. Eu penso que a educação verdadeiramente une a nação cabo-verdiana, penso que há uma convergência, um consenso nacional. Pode haver mais ou menos tonalidades de adesão às políticas, mas a educação, de facto, une e deve unir os cabo-verdianos. O que temos estado a fazer é a navegar neste senso comum de que é necessário, cada vez mais, todos os sujeitos e não só sujeitos políticos, toda a sociedade deve estar envolvida na educação, a começar pela própria família, porque sem educação de base familiar se calhar não é possível um bom sistema educativo. Ou sem envolvimento, por exemplo, das igrejas, das organizações de base comunitária, das organizações de defesa do ambiente, das organizações de defesa dos direitos humanos… Então todos somos convocados para esta empreitada, que é a construção da base de desenvolvimento do nosso país: a educação. E, portanto, é neste sentido que eu, enquanto ministro, mas em nome do governo, faço isso. Quem lidera o governo é o primeiro-ministro e ele tem estado constantemente a chamar a atenção para estas questões também. 

Sobre este novo ano lectivo e indo por ciclos. Pelos discursos, há um reforço da aposta no pré- escolar. Em Abril, foi feita a candidatura ao Fundo Global da Educação. O foco será o pré-escolar? 

Em termos de planeamento já redireccionamos, de facto. Estamos a avaliar o estado de funcionamento dos jardins de infância a nível nacional. A maior parte jardins, como se sabe, depende das câmaras municipais e uma parte significativa, principalmente nas grandes cidades, também dependem das organizações da sociedade civil e de privados. Então iniciamos esse exercício de caracterização. Em face disso, desencadeamos um processo de priorização do pré-escolar, para podermos alcançar, e realizar o que está no programa do governo, que é a universalização do pré-escolar, mas também na óptica do sistema educativo, transformar o pré-escolar num nível obrigatório, para nivelar as competências de ingresso no ensino básico obrigatório. Estamos com este foco, para já, em termos de planeamento. É preciso, depois, dialogar com as câmaras municipais, pois se na parte pedagógica, da supervisão dos recursos didácticos e lúdicos e da formação dos educadores de infância, o ministério entra e entrará sempre, na parte da gestão dos recursos humanos e dos recursos edificados temos mais a presença das câmaras municipais. E a valorização salarial das profissionais ( porque são essencialmente mulheres) que são funcionárias das câmaras municipais, depende da capacidade das câmaras. Portanto, temos que dialogar com as câmaras municipais. De qualquer forma, o pré-escolar é a prioridade desta candidatura, na qual já estamos na fase da conclusão e que será apreciada brevemente. Tivemos uma primeira nota positiva e esperamos que até o final do ano seja aprovada para termos acesso aos recursos. Estamos a falar de recursos para um período plurianual de 3 anos na ordem de 5 milhões de dólares e uma parte significativa vai, então, para o ensino pré-escolar, outra parte vai para a inclusão educativa e a outra parte para a consolidação das reformas no ensino básico, essencialmente.

Entretanto no ensino básico não há novidades… 

Não há e é bom que seja assim, é bom que haja estabilidade curricular. Não há novidades no ensino Básico, tirando as novidades decorrentes, por exemplo do reforço da acção social escolar. 

No secundário tivemos um ano experimental, no 10.º ano, com a reforma, e nomeadamente a introdução da Língua Cabo-verdiana (LCV)? Que balanço? 

Como disse, ainda é muito cedo para tirarmos ilações, mesmo relativamente à LCV. Tivemos a coragem de introduzir a disciplina. Isso não é consensual na sociedade cabo-verdiana, mas quisemos dar um sinal de que não estamos amarrados a ideologias, e que queremos, de facto, dar espaço para no sistema educativo também abordarmos a questão da LCV, que é um traço principal da nossa identidade nacional. Temos a disciplina como uma disciplina experimental porque, no fundo, serve para os académicos poderem testar as suas teses relativamente à LCV. Depois, tem carácter não obrigatório e é bom que assim seja para dar margem de liberdade. A nossa intenção é que haja, do lado experimental, a afinação das teses para podermos criar as bases de alguma harmonização e, aqui, o ponto maior dissenso tem sido o alfabeto, o ALUPEC, que não é aceite por uma franja expressiva da sociedade. Quase todo o barlavento não acolhe e mesmo na região de Sotavento temos muitas opiniões académicas - nem sequer são opiniões do senso comum, são opiniões de base académica - que são divergentes. Então, é preciso colocar o ALUPEC sob teste, para podermos ver os ajustes.

O país tem a oportunidade de perceber para onde é que quer ir com a língua? 

Sim, depois o Estado terá que tomar uma decisão sobre a política linguística da promoção da LCV, como língua que tem assento constitucional. É uma língua oficial neste sentido, não tem bases para a sua generalizada utilização, por exemplo, no sistema da justiça, ou no educativo, na administração pública. Eu não consigo, e nenhum ministro consegue exarar um despacho em LCV, porque poderia ser de difícil interpretação em outra região. Então, é preciso ter harmonização e é neste sentido que nós a introduzimos. Agora, a nossa política linguística tem um foco muito claro. A língua portuguesa (LP) é a língua matricial do sistema educativo cabo- verdiano e continuará por largos anos a sê-lo, até porque faz parte do legado identitário de Cabo Verde. Está na base da construção da identidade nacional e é uma língua também nacional. Não é uma língua estrangeira, é uma língua cabo-verdiana, que os cabo-verdianos utilizam, bem ou mal, e é a primeira língua de contacto com o mundo. Portanto, estamos a valorizar a LP. Voltando um pouco atrás, queremos maior e melhor familiarização com a oralidade da LP no pré-escolar, para criarmos as condições para incrementar o ensino da LP no básico e, provavelmente, criar as condições para, eventualmente, termos Inglês a partir do 3.º ano de escolaridade ou mais cedo. Estamos a ponderar. A base do ensino do inglês é a LP também e, portanto, temos que ter um domínio mínimo da LP. Como se sabe, já introduzimos o inglês a partir do 5.º ano e é uma disciplina obrigatória, assim como o francês e o português, até ao 12.º ano. Temos esta política linguística na perspectiva de que as novas gerações têm que ter literacias e competências linguísticas para interagir com o mundo, para não terem as mazelas que nós, das gerações anteriores, temos. Então, é preciso focar muito no ensino do inglês, que é a língua universal, língua da ciência, do conhecimento, do comércio internacional, da diplomacia. Temos que ter as novas gerações a dominar o inglês. 

E manuais? 

Este ano vamos introduzir os manuais do 9.º ano, no ano 2024/2025 vamos introduzir o 10.º ano. Os programas são experimentais durante um ano, agora temos um período para consolidar os programas, nestes dois ou três meses, e depois seguir com a elaboração dos manuais [do 10.º]. O processo está sólido porque há um financiamento através do Banco Mundial e há uma adjudicação a uma empresa que está a apoiar o Ministério na elaboração dos manuais. Este ano (2023/2024), introduziremos os novos programas experimentais, nos termos da lei, do 11.º.

E quem chumbou no 11.º? 

Há um período de transição. Está previsto, são medidas transitórias, quem reprova tem um mecanismo de excepcionalidade que permite prosseguir e fazer a equiparação curricular. 

Voltando à questão da língua, e falando de uma das apostas, que é a aprendizagem digital, nomeadamente com o projecto AKELIUS. O que se pretende?

Pretendemos ter uma experiência de digitalização do ensino das línguas, Inglês e Francês, mas também LP a partir do 2.º ano de escolaridade. Estamos com uma experiência piloto em alguns concelhos para podermos seguir esta experiência. E introduzo aqui a necessidade de termos laboratórios de línguas nas escolas. Portanto, será uma experiência-piloto para podermos criar as bases da conceptualização da oferta de laboratórios de línguas nas diversas escolas, particularmente nas escolas secundárias, para o ensino das línguas. É um processo de digitalização do sistema educativo do lado das línguas, porque há outras vertentes. 

Outra grande aposta são laboratórios. laboratórios técnicos e científicos. Muitas vezes o problema é a sua manutenção. Como está planeada? 

Este ano, vamos instalar os laboratórios tecnológicos, que, no fundo, são salas de computadores, nas 44 escolas secundárias. Não são ainda suficientes, vamos ter que continuar a investir nos laboratórios tecnológicos, WebLab2, com financiamento do Banco Mundial, integrado no programa Cabo Verde Digital. Portanto, vamos continuar, quer com os laboratórios tecnológicos, quer com o reforço de acesso à internet de banda larga, em todas as escolas do país. Como é que conferimos sustentabilidade? É ter o financiamento e depois transpor a gestão numa óptica da gestão corrente, de substituição dos equipamentos com base em dotações no orçamento do Estado, para não ficarmos na dependência de donativos. Os computadores têm uma vida útil de 5 anos, então já sabemos que todos os anos temos que substituir 20% dos computadores, para podermos manter uma regularidade da substituição desses equipamentos. Relativamente aos laboratórios científicos, já temos alguns em algumas escolas. A questão dos consumíveis pode não ser um problema grande, até porque as escolas têm orçamentos próprios e podem adquirir reagentes e outros consumíveis. A gestão tem que ser também uma gestão corrente. Podemos até desenhar uma central de compras destes suprimentos, queremos, mas o mais importante neste momento é a modernização dos laboratórios. Isto consta do Plano Nacional de Construção e Modernização das Infra-estruturas. Pretendemos mobilizar financiamentos para termos os laboratórios científicos, e das línguas também, nas diversas escolas do país. Penso que o Estado tem que ter esta perspectiva de sustentabilidade, não dependerá de um ministro que está de passagem, é o Estado que tem que ter uma política. E provavelmente trabalharemos para fixar em letra de lei esta política para evitarmos depois solavancos na preservação e renovação dos equipamentos dos laboratórios.

Ainda falando em tecnologia, temos o Sistema Integrado de Gestão Escolar (SIGE), de que toda gente já ouviu falar, mas do qual parece que se faz um sub-uso. O que é que está a falhar no SIGE? 

Criámos uma direcção geral da comunicação e tecnologias educativas. O SIGE foi desenvolvido mais atrás e está ao serviço da gestão pedagógica das escolas. Portanto, temos estado a afinar a parametrização do SIGE para permitir que, cada vez mais, os professores tenham acesso e possam utilizar quotidianamente o SIGE - o uso do SIGE pelas direcções pedagógicas das escolas, para desenhar as turmas, os horários, para ter os registos dos alunos e dos professores e para a emissão dos certificados. E, depois, dar acesso aos pais, particularmente, para seguir a vida do seu educando. Temos, então, a direcção geral que cuida deste aspecto mais voltado para o desenvolvimento e manutenção tecnológica.

Mas tem tido os utilizadores previstos?

Temos 8 mil utilizadores, porque os professores todos têm que usar. O que constatamos é que os professores têm um défice de formação. Então, com a Universidade de Cabo Verde (UNICV) e todas as outras universidades, temos que reestruturar os planos curriculares, os cursos de formação de professores, para contemplar as competências básicas no domínio das tecnologias educativas, neste caso o SIGE, mas poderia ser outra plataforma qualquer. Os professores têm que dominar o SIGE e têm que sair das universidades já com este domínio. Nos próximos concursos podemos já começar a exigir este. Se bem que a UNICV tem que reestruturar os currículos dos cursos de formação de professores, não só nesta matéria, mas também em outras… 

O ministério deu directivas para alteração os cursos? 

As universidades, como se sabe, têm autonomia. Nós demos orientações directas às universidades, directrizes políticas, de política educativa. Eu próprio já tive oportunidade de reunir com o Sr. Reitor para dizer que uma das prioridades para os próximos anos é a estruturação dos cursos de formação de professores. Na verdade, os cursos estão desfasados da tendência da forma curricular do básico e do secundário e, portanto, os professores têm que ter as competências que o sistema educativo exige que tenham e é preciso ajustar. Como disse, a universidade tem autonomia científica, nós não podemos dizer `vocês têm que fazer isto`, mas já demos pistas no sentido de introduzirem a questão das tecnologias educativas e o conhecimento do SIGE, questão de toda a conceptualização do sistema educativo e das reformas que reformam o ensino básico e o ensino secundário, o sistema de avaliação das aprendizagens, toda a legislação que estrutura o sistema educativo, desde logo a lei de bases do sistema educativo, [o curso] tem que ter essas componentes transversais. Depois, tem que ter um recurso da psicologia educativa, educacional, e a educação inclusiva. Por exemplo, os professores têm que sair da universidade com conhecimentos, pelo menos básicos, da língua gestual e do braille. Portanto, a universidade tem que ajustar os planos dos cursos superiores de formação de professores neste sentido, para corresponder a uma exigência que neste caso até é do mercado, porque o mercado aqui é quase um monopólio do Estado que tem a gestão das escolas. O Estado está a dizer que o professor tem que ter este perfil, e brevemente. Vamos dar algum tempo para a universidade ajustar, assim que o fizer, temos que passar a exigir nos concursos que os professores tenham o domínio dessas matérias. 

Ainda falando dos professores, outra aposta este ano são os 22 centros que vão abrir para a formação contínua? 

Sim, é uma coisa complementar. Por um lado, há a formação inicial de professores e temos, depois, a formação contínua, em exercício. E por isso é que temos, em sede do Conselho de Ministros, o pacote legislativo que vai aprovar o modelo de formação de professores. Quer a formação inicial, quer a formação contínua, quer o perfil dos professores. E é bom que a academia, todas as universidades estejam atentas a estes ajustes dentro do sistema educativo. As universidades que ajustarem primeiro vão ter uma vantagem comparativa relativamente às outras. Para a formação contínua de professores, porque somos ilhas, não conseguimos ter sempre formação na modalidade presencial, temos que ter na modalidade de distância. Também com o Banco Mundial, temos o financiamento dos 22 Centros de Formação a Distância, que estão já em processo de instalação. Cada concelho terá um centro de formação a distância. 

Qual tem sido receptividade dos professores? 

Ainda não podemos avaliar, porque ainda não tiveram acesso, mas estão entusiasmados com a ideia de ter formação contínua, porque dá para superar, por exemplo, estas insuficiências que trazem do sistema universitário. Mas, também para estar em linha com o conhecimento mais avançado, com as metodologias de ensino, a pedagogia, com aspectos de psicologia, como lidar com o novo contexto que às vezes emerge na infância, na adolescência. Os professores têm que ter competências na área da psicologia e da sociologia também para compreenderem o contexto e para poderem ajudar. Ou então, como é que os professores podem superar as suas deficiências em lidar com crianças com necessidades educativas especiais? O sistema de formação contínua de professores visa superar estas lacunas. 

Um tema que trazia eram as reclassificações, mas foram publicadas entretanto, as de 2019 e é extemporâneo … 

Podemos falar. Estamos a cumprir o cronograma. Eu acho que temos que transmitir confiança e credibilidade. Nós, o Ministério da Educação, sabemos que há um contexto macroeconómico, nacional e internacional, uma conjuntura da gestão das finanças públicas em que há restrições. E toda a sociedade cabo-verdiana o sabe. Com base nestas restrições, fixamos com os sindicatos que a prioridade da resolução das dependências seria as reclassificações e acertamos com o Ministério das Finanças e com o Ministério da Administração Pública uma metodologia do trabalho. Os despachos são despachos conjuntos. No nosso cronograma, tínhamos prevista a publicação do despacho conjunto até 31 de Agosto. O despacho foi assinado pelo Ministro da Educação no dia 9 de Agosto, mas tem que tramitar. É preciso o Ministério da Administração Pública fazer a sua parte, ver se todos os procedimentos foram cumpridos, o que leva algum tempo, e depois o Ministério das Finanças tem que verificar se há disponibilidade orçamental ou não, o que também pode demorar algum tempo a analisar. Tenho tido uma agenda sobrecarregada e não posso fazer o acompanhamento permanente, porque tenho outras áreas de intervenção…

Há, então, alguma precipitação dos sindicatos em fazerem queixas públicas? 

Eu respeito os sindicatos, respeito a ansiedade dos sindicatos e particularmente dos professores. É o papel dos sindicatos, não critico. Posso ficar às vezes um pouco, como dizer, ressentido, porque faço um esforço enorme de procura de entendimentos e ouvir, depois, dizer que o Ministro está a enganar os professores... Mas entendo a pressão. O que quero é que os sindicatos e os seus líderes tenham credibilidade, porque nós precisamos ter interlocutores que representam, de facto, os professores e que façam as suas intervenções com base em evidências e não em suposições. Portanto, penso que poderiam ter chamado a atenção, avisado que ainda não tínhamos publicado e que era preciso fazê-lo. Bastava isso, saberíamos responder. Não é preciso uma confrontação desnecessária, que depois pode ter o risco de descredibilizar. Então, é preciso alguma ponderação. Os sindicatos sabem que têm no ministro, uma pessoa com quem podem dialogar, até directamente. Respeito muito os sindicatos, porque acho que o sindicalismo é um pilar da democracia e temos que o proteger porque hoje estamos no governo e amanhã podemos não estar. Assim como respeito a oposição. No Parlamento falo sempre com muita calma, com uma tonalidade mais respeitosa porque temos que respeitar os outros, temos que dar exemplos de boa educação - ainda por cima no ministério da educação. Então falo com esta tonalidade, mas não é falta de convicção ou de profundidade nestas questões, como disse há tempos uma deputada. Quer dizer que procuro sempre margem para construirmos os entendimentos. Como disse, a educação deve unir os cabo-verdianos, então o ministro não pode extremar posições, não pode falar com uma tonalidade que ofende e fechar as portas ao diálogo. 

Não há um combate político. 

Não pode ser. É normal que os deputados queiram uma escola melhor no seu concelho e devem exigir, também já fui deputado. Podem querer melhores professores, mais acção social escolar. Isto faz parte da arbitragem política que temos que fazer e temos que saber lidar com isto. Se queremos a convergência com a OCDE, também neste aspecto do diálogo social, com todos os actores, temos que convergir, temos que ter esta abertura de espírito para ouvir a oposição também. Portanto, não temos uma posição de reserva relativamente às posições dos sindicatos, nem dos partidos da oposição, nem da sociedade civil. Estamos completamente disponíveis para dialogar até quando pudermos e até quando tivermos a confiança do primeiro-ministro, naturalmente. Eu procuro responder aquilo que o primeiro-ministro espera do Ministério da Educação, executando as políticas, tendo como bíblia o programa do governo. Acima de tudo, acima de todos os exercícios de planificação, está o programa do governo, que foi aprovado pela Assembleia Nacional. 

Que mais está previsto para este ano lectivo? 

Estaremos também a aprofundar um pouco a análise do estado de funcionamento dos agrupamentos, para ver se não há necessidade de alguns ajustes na organização da rede escolar. E em matéria da reestruturação, temos o ensino técnico também.

A aposta e reestruturação do ensino técnico já vem sendo falada. Em que ponto estamos? 

Temos já elaborado um pacote legislativo, o regime jurídico, que vai ser submetido ao Conselho de Ministros brevemente. Já foi socializado com os directores, todos os coordenadores das escolas técnicas, tivemos reuniões na Praia, com vários professores. O ensino técnico é uma via do ensino secundário e, portanto, na sua componente geral, já está reformatado. Está a seguir as linhas de reforma do ensino secundário. Agora, estamos a fazer a reestruturação para, por um lado, dar mais autonomia às escolas técnicas, dar espaço para ajustarem os seus planos de oferta formativa às necessidades concretas decorrentes da vocação da região onde está inserida, e das estratégias de desenvolvimento da região e do país. Mas também para dar a possibilidade de participação dos actores activos - a comunidade empresarial envolvente, os representantes da sociedade civil - para poderem, em sinergia, pensar aquilo que são as ofertas formativas e, se for possível, os conteúdos dos planos curriculares para podermos alinhar quer a oferta formativa, quer o perfil de saída desses cursos de formação técnica- profissional, às necessidades concretas do mercado de trabalho. 

No ano passado disse que a procura pelo ensino técnico está a aumentar. Manteve-se esta tendência?

Há uma tendência de valorização do ensino técnico, particularmente aqui em Santiago, na Praia. Como se sabe, nós temos uma experiência em São Vicente que já leva décadas, e, portanto, o ensino técnico em São Vicente sempre teve prestígio, sempre forneceu quadros de referência para vários sectores da sociedade cabo-verdiana, mas não havia uma tradição de ensino técnico na Praia. Então, na Praia, estamos a registrar um prestígio cada vez maior do ensino técnico na Praia.

No Ensino superior foi feita, recentemente, pela ARES, a avaliação institucional. Uma das lacunas que encontram, e o Ministério também reconhece, é a investigação. Há um plano nacional para a investigação. O que está a ser feito?

Primeiro, é preciso dizer que estamos num processo de consolidação do ensino superior. Temos um sistema neste momento estribado em duas universidades públicas, basicamente uma para Barlavento e uma para Sotavento. A universidade técnica com reitoria em São Vicente, mas com expansões em Santo Antão e no Sal, e depois a Universidade de Cabo Verde, na Praia, com expansão no Fogo, que vai entrar agora em funcionamento, e no interior de Santiago. A UNICV continua com um polo em São Vicente, mas vamos ver, em termos de consolidação, o que é que o sistema do ensino superior público fará em relação a esse polo. Este é o sistema do ensino superior público e cada uma das universidades tem as suas áreas de referências. A Universidade Técnica, as Ciências do Mar e as Engenharias e vai estar concentrada essencialmente nessas áreas e colaterais e está a estender-se um pouco para a área de Turismo e aeronáutica. A UNICV já é mais sólida, mais robusta, é uma universidade que deve orgulhar os cabo-verdianos, mas é preciso consolidar as áreas de referência também. E a orientação que nós temos dado é que deve trabalhar no sentido de retomar o processo de instalação da Faculdade de Ciências Médicas na Praia, para atender a uma necessidade e ser uma das referências da própria universidade. Depois temos a Escola Nacional de Negócios e Governança, a ENG, que deve ser uma escola para administração pública e que também deve ser uma área de referência, tal como a própria formação de professores. Temos as tecnologias de informação e de comunicação e a universidade tem que dar respostas. E outras áreas. É uma universidade genérica, é a principal universidade do país, é referência do país em termos de Ensino Superior. Depois, temos as universidades privadas, que estão também no processo de consolidação. É preciso ter em conta que estamos a falar de um país com 500 mil habitantes, que consegue colocar no ensino superior, na globalidade, cerca de 10 mil estudantes. Esta é a dimensão do mercado e, portanto, há factores de sustentabilidade e de viabilidade institucional e económica, para não falar da viabilidade científica das instituições. É neste contexto que temos que consolidar e talvez a consolidação institucional deva continuar a merecer uma atenção especial. Enquanto não tivermos a consolidação institucional das universidades, não tivermos a estabilidade, por exemplo, da gestão das carreiras, dos professores, dos investigadores, não tivermos a estabilidade e a sustentabilidade da gestão orçamental das universidades, as universidades vão ter sempre dificuldades em libertar recursos para o pilar da investigação. Então, temos que ir paulatinamente, assim como aconteceu nos países mais avançados. Queremos ultrapassar etapas, mas temos que ter atenção para não estarmos a colocar uma pressão sobre nós, e depois podermos não corresponder às expectativas. O pilar mais frágil do ensino superior, e eu já o disse, é a investigação, há esta constatação e por causa disso o programa do governo diz que é necessário criar uma estrutura reitora da ciência. Neste caso, já está na fase de final a estruturação da Fundação Ciência e Tecnologia.

Será semelhante à FCT portuguesa? 

É inspirado na experiência portuguesa e aqui temos um risco e assumo-o, porque temos de ter honestidade. As fontes de financiamento da FCT de Portugal são essencialmente subvenções da União Europeia, e em Cabo Verde, criando a FCT, vamos ter o problema de como alimentar um fundo de financiamento da ciência. Em Portugal, nos outros países da Europa, nos EUA e em outros países mais desenvolvidos e de dimensão extraordinária há mecanismos, até porque há uma base muito maior. E as grandes empresas têm departamentos de investigação e desenvolvimento (I&D), patrocinam a investigação, alocam recursos extraordinários à investigação. Temos que ter esta realidade, e dimensão do país, sempre presentes, para não estarmos a criar uma pressão. Com isto eu não estou a retirar mérito àquilo que está no programa de governo. Temos que continuar a fazer esforços, ter a noção de que estamos a pisar um terreno que é pouco sólido para já, porque do lado do financiamento as coisas ainda não são consistentes. Não temos as bases que tem Portugal, ou a Alemanha, ou que os EUA. Estamos muito longe disso e nunca vamos ter e temos que ter esta percepção. A criação da fundação talvez seja o lado mais fácil, arranjar 15, 20 mil pontos no orçamento do Estado, pagar os funcionários. Pomos a fundação a funcionar, mas e depois? E talvez este é o debate que devemos fazer, a começar pelo próprio governo. Temos que ver como financiar a ciência e se temos condições para libertar recursos, numa fase que temos ainda que consolidar todo o sistema universitário. Digo isto com sinceridade e honestidade intelectual, porque eu não posso dizer uma coisa e depois não conseguir satisfazer a expectativa que, entretanto, posso criar. Então o programa de governo diz que é preciso criar a fundação, sim, vamos criar a fundação, e manda, igualmente, estudar a viabilidade do fundo de financiamento da ciência. Vamos fazer isso. Não é uma novidade, é este assunto já tinha sido abordado no governo anterior. Lançámos a Agenda Nacional de Investigação. E lançámos os editais porque achámos na altura que era um passo e uma sinalização que estávamos a fazer. Mas depois abordámos também a questão do fundo de financiamento de investigação… 

Vamos com calma. 

Sim, porque é preciso mobilizar muitos recursos, o Ministério da Educação e os outros ministérios, porque há outros que têm intervenções [na investigação]. O INIDA, por exemplo, o Instituto da Saúde Pública, o INMG, o IMAR, são instituições de investigação sectoriais. E eu até acho que o melhor que o nosso país deve fazer é apostar na investigação aplicada, nesses institutos e nas universidades também. Ter a investigação de base universitária, mas depois, tanto quanto possível, tentar “domesticar” o conhecimento científico para transpor para a nossa realidade e fazer a transferência para o sector produtivo. É isto que chamo de investigação para o desenvolvimento. Portanto, é conhecer os resultados da investigação de base académica, se possível produzir conhecimento também, e trabalhar na lógica utilitária, de ter o conhecimento para ser transposto para uma realidade produtiva. 

Que servirá alguma coisa à população e ao mercado. 

Exactamente. Bom, mas é uma perspectiva. Eu tenho é o dever de executar o programa de governo. Mas, a investigação é importante para o desenvolvimento de qualquer país. Os países da ponta do desenvolvimento fazem uma aposta extraordinária na investigação. São países, também, com uma população académica extraordinária, que, se calhar, têm mais cientistas do que a própria população de Cabo Verde. Portanto, é preciso agora estarmos concentrados para podermos desenhar melhores políticas, mas as universidades podem continuar a contar pelo governo, no sentido de que podemos melhorar o quadro de incentivos e de financiamento da ciência. Aliás, já há os prémios científicos. No quadro do Orçamento do Estado há um quadro de incentivos à investigação e às tecnologias. Estamos a criar uma arquitectura à volta da promoção da ciência e vamos continuar nesta perspectiva.

Já abordamos os vários níveis. Para concluir, está tudo pronto para o início do ano lectivo, no dia 18?

Já fizemos o trabalho de planeamento, executamos as principais medidas, tivemos que tomar inclusive medidas de contingência. Por exemplo, contávamos ter o Liceu da Várzea pronto, mas não foi possível, e tivemos que adoptar medidas de contingência. E é para isso que servem os governantes, para encarar os desafios e as dificuldades.

Por que o Liceu do Várzea não conseguiu estar pronto para este arranque das aulas?

Sempre esteve previsto que estaria concluído em Dezembro. Quisemos acelerar e tivemos a boa vontade até dos empreiteiros. O problema está que eles demoraram muito tempo a consolidar as estruturas, os pilares. Depois tiveram dificuldades na colocação das encomendas de materiais de construção, devido a uma sobrecarga da procura nos mercados internacionais e, portanto, não conseguiram satisfazer uma boa vontade que se demonstrava. Os alunos serão deslocados para a ASA (escola técnica) e Terra Branca, num bloco completamente autónomo que funciona como se fosse no Liceu da Várzea. É a transposição dos alunos destas salas para outras salas, com os mesmos professores, com os mesmos horários.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1137 de 13 de Setembro de 2023.

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Autoria:Sara Almeida,17 set 2023 15:03

Editado porAndre Amaral  em  2 mai 2024 23:28

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