Em Julho do ano passado, no Sal, durante o Cabo Verde Investment Forum,José Correia, coordenador do projecto da zona económica especial de economia marítima de São Vicente, partilhava a visão que tinha para Cabo Verde: “Imaginemos que estamos em 2035, com Cabo Verde desenvolvido, com uma plataforma aérea implementada, com uma plataforma logística e marítima realizada, um país inserido na economia regional e na economia mundial, o cabo-verdiano como cidadão do mundo, Cabo Verde conectado ao mundo e a África”.
Num país que é 99 por cento mar, o governo teve, em 2016, a ideia de desenvolver o projecto da zona económica especial da economia marítima em São Vicente. Mas para isso, o executivo teve também em conta o país real, não só onde está inserido, como a utilidade que pode ter para o mundo, ou, por outras palavras, transformar a vantagem comparativa, ter mar, numa vantagem competitiva.
O executivo considera que Cabo Verde tem todas as condições para ser um hub marítimo para o Atlântico Médio. Falta, como já foi referido pelas autoridades nacionais, criar o ecossistema para atrair os investidores.
As Zonas Económicas Especiais constituem um modelo económico utilizado com sucesso em outros países no sentido de ter novas estratégias de desenvolvimento, muitas vezes experimentais, para o aproveitamento das potencialidades do país, principalmente para a diversificação da economia, a industrialização e integração das fileiras de produção, a promoção da exportação e criação de empregos, promovendo a eficiência, a desburocratização e criando um ambiente competitivo e facilitador de negócios.
Neste sentido, o Governo elaborou a presente Proposta de Lei, que estabelece as bases do regime da organização, funcionamento e criação das Zonas Económicas Especiais (ZEE) em Cabo Verde, inspiradas nas práticas internacionais, adaptadas à realidade cabo-verdiana e baseadas sempre, em estudos de viabilidade e/ou planos estratégicos, que explicam os motivos da sua criação, planeando o seu desenvolvimento, a sua organização e as metas a atingir.
Em 2017, os estudos feitos mostraram que o projecto era viável, mas isso não significa que não haja desafios enormes. Para começar, os sectores envolvidos: portos, pescas, reparação e construção naval, turismo e energias renováveis, e estes são só os principais, porque a criação de um ecossistema mexe com outras áreas consideradas relevantes: educação, saúde, ambiente.
“Há várias oportunidades”, considerou José Correia, em 2019, “desde portos, estaleiros navais, aquacultura, pescas, depois de pronta a legislação serão apresentados projectos específicos a vários parceiros e às empresas. Pensamos que qualquer investidor que queira ganhar dinheiro e investir no futuro, esta é uma boa oportunidade. O que queremos? Que São Vicente seja uma ilha bem ordenada, e quando se fala das funções das cidades estas estão separadas, há a função residência, a função indústria, a função, aeroportuária e a função de lazer”.
Na proposta de lei que devia subir esta semana ao Parlamento, pode ler-se que na prossecução das suas atribuições, a ZEE é equiparada ao Estado, detendo prerrogativas, obrigações e determinados poderes deste, inclusive de impor coimas e outras sanções, o que determina a transferência de competências da Administração Central nas áreas relevantes para a implementação e desenvolvimento da ZEE.
Dada a especificidade que cada ZEE pode ter, a estrutura organizativa será definida no diploma de criação da mesma, mas deve estar sujeita a um órgão superior orientador e ter um executivo, sendo sempre integrada por um Balcão Único, que congrega os vários serviços do estado ou município, dada a sua vocação de ser o interlocutor único do investidor.
Para incentivar o investimento, de acordo com o Plano Estratégico, as entidades que invistam se estabeleçam ou desenvolvam actividade na ZEE, cujo montante mínimo do investimento seja o já definido na lei, que tenham impacto social e económico, proporcionando a criação de postos de trabalho e sejam relevantes para a implementação da ZEE, beneficiam de políticas, benefícios e incentivos especiais, podendo abranger as entidades já estabelecidas e os investimentos já aprovados.
Para a implementação e sucesso da ZEE é fundamental a cooperação institucional com os municípios, pelo que, expressamente, estabeleceu-se tal princípio na lei, bem como fundamental também é prever-se o reordenamento territorial da ilha, região ou espaço, a extinção, desclassificação e redefinição das Zonas Turísticas Especiais, reordenação ou deslocalização das zonas industriais quando aplicável.
“Somos um grande Estado oceânico, 99% mar, e exploramos muito pouco do potencial que podemos retirar do nosso oceano”, disse o Ministro da Economia Marítima, Paulo Veiga, ao Expresso das Ilhas, numa entrevista no mês passado. “Não falo só dos recursos que podem ser explorados de forma sustentável, mas também das energias renováveis, ou do turismo de saúde. Há um leque de oportunidades muito grande e há as oportunidades de emprego no recreio náutico, no desporto náutico, que também ainda não utilizamos e temos de tirar proveito destas oportunidades”.
Ainda de acordo com a proposta de lei, a “Zona Económica Especial” é um espaço económico especial, que pode abranger uma ilha, um conjunto de ilhas, ou um espaço geograficamente delimitado numa ilha, para desenvolvimento de actividades de natureza económica definidos no respectivo Plano Estratégico, com regimes fiscais, parafiscais e aduaneiros especiais, uma estrutura de administração especial, regimes laborais especiais, orientados para o aproveitamento das vantagens de Cabo Verde e de cada um das ilhas, a promoção do desenvolvimento económico e empresarial, nomeadamente através da atracção de investimentos, da promoção da exportação e do fomento do desenvolvimento do sector privado, bem como para a promoção da inserção de Cabo Verde na economia regional e global.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 949 de 5 de Fevereiro de 2020.