Amadeu Cruz, Ministro da Educação: “Resultados mostram que estamos no caminho certo, mas temos de ter métricas de comparabilidade”

PorSara Almeida,21 set 2025 7:50

O arranque do ano lectivo 2025-2026 acontece num contexto de balanço e consolidação. Após oito anos de implementação da reforma curricular, o país prepara-se agora para aplicar, pela primeira vez, a avaliação PISA, numa tentativa de medir a qualidade do ensino cabo-verdiano face aos padrões internacionais da OCDE. "Em matéria da educação, estamos a cumprir", garante o ministro da Educação, destacando resultados promissores e o facto inédito na história de Cabo Verde de ter “manuais do 1.º ao 12.º ano de produção nacional". Enquanto as aulas arrancam em todo o país, o polémico manual de Língua e Cultura Cabo-verdiana (LCCV) continua no centro do debate. Nesta entrevista, realizada antes da suspensão do manual [ver pág. 4], Amadeu Cruz lembra que “a padronização de uma língua envolve sempre alguma polémica” e sublinha a coragem tida pelo ministério em avançar com a introdução da disciplina.

Começava pelos resultados da reforma educativa, concluída no ano lectivo passado. Olhando os dados já conhecidos, atingiu os objectivos definidos?

Já tínhamos terminado a reforma no ensino básico em 2020/2021 e, no ano lectivo de 2024/2025, finalizámos a reforma do ensino secundário. Alguns resultados mostram já que estamos no caminho certo, designadamente em termos da redução do abandono escolar, melhoria das taxas de aprovação e na qualidade do ensino de forma abrangente. Em algumas áreas, empiricamente, podemos dizer que há avanços significativos. No domínio do inglês, por exemplo, constatamos que os alunos que saíram agora do 12.º ano têm uma proficiência superior à que tinham os alunos antes [da reforma]. O mesmo acontece na língua portuguesa, no domínio da oralidade. Nas tecnologias, os alunos saem com competências muito boas, e mesmo no domínio da matemática, das ciências exactas, podemos dizer que há avanços. Estamos no bom caminho também no alinhamento do perfil de saída do 12.º ano com os países que acolhem estudantes cabo-verdianos no ensino superior. Estamos a alcançar esses resultados, mas temos que ter métricas que permitam comparabilidade com outros sistemas educativos.Por isso, estamos a trabalhar na introdução de dois instrumentos. Em primeiro lugar, o PISA [Programme for International Student Assessment – coordenado pela OCDE]. Com o apoio do Banco Mundial, estamos a mobilizar assistência técnica especializada para iniciarmos um exercício experimental de aplicação do PISA em Cabo Verde, possivelmente em Maio de 2026. Depois, estamos a analisar os resultados abrangentes das avaliações do ano passado e outros critérios aplicáveis para termos um barómetro nacional das escolas. São medidas para nos ajudar a ajustar as políticas, lá onde for necessário.

Em relação ao PISA, como é que os resultados irão influenciar essas políticas educativas?

Se a nossa grande ambição é convergir com os países da OCDE, temos, como disse, de ter métricas que possibilitem a comparabilidade. O PISA é uma avaliação que incide sobre a língua portuguesa, matemática e ciências e é aplicada a alunos de 15 anos, ou seja, do 9.º ou 10.º ano. Os países da OCDE utilizam-na, em conjunto, para poderem ver qual é a posição relativa de cada sistema educativo e cada país adopta as medidas de correcção que forem pertinentes. O objectivo fundamental da aplicação do PISA é, pois, esse: podermos medir a qualidade do ensino em Cabo Verde e compará-la com os países da OCDE, identificando onde podemos ajustar as políticas educativas. Será uma experiência piloto para ver o ponto de situação, ajustar as políticas, e daqui a três ou quatro anos repetir o PISA e, aí sim, ver exactamente qual é a nossa posição no ranking internacional.

Entretanto, saiu recentemente o novo perfil do aluno à saída do secundário. Como será monitorizado e concretizado na prática diária das escolas?

O Perfil é um instrumento orientador da gestão pedagógica e curricular. Dá orientações aos gestores das escolas, aos professores e aos próprios pais e encarregados de educação sobre as competências nucleares que os alunos devem ter ao terminar o 12.º ano. Para medir essas competências, temos o sistema de avaliação das aprendizagens: as provas internas, a avaliação sumativa e formativa, e as provas nacionais que permitem ver em que posição os alunos estão ao perfil de competências nas diversas áreas curriculares. Para além da questão curricular, há competências transversais, como os conhecimentos em termos de valores, identidade, cultura e direitos humanos, que são intrínsecos à formação das novas gerações. Temos também de ter capacidade para os medir e avaliar. Portanto, o Perfil permite ter uma referência para toda a sociedade cabo-verdiana daquilo que o sistema educativo pretende para os alunos.

Que mudanças implica este Perfil no perfil do professor e na sua formação?

A qualidade do ensino depende também da qualidade da docência. Temos dialogado com as universidades para que os planos de formação inicial, os cursos de licenciatura, estejam alinhados com a matriz curricular e com as competências que os professores devem ter para executar cabalmente os planos curriculares. As próprias universidades têm de ajustar a formação inicial para corresponder ao perfil pretendido, de modo a reduzir, no futuro, a necessidade de formação contínua. No âmbito do Programa Nacional de Bolsa de Estudos, estamos a privilegiar a atribuição de bolsas a estudantes que queiram fazer cursos relacionados com a docência. Além disso, atribuímos incentivos aos professores no activo que não têm licenciatura, para poderem concluir o grau.Quanto à formação contínua, visa essencialmente a superação de défices que os professores possam ter. Já instalámos 22 centros de formação à distância, um em cada concelho, e temos o Centro Nacional da Formação à Distância, na DNE. Também temos laboratórios tecnológicos em todas as escolas secundárias, onde os professores podem assistir às aulas online. Ou seja, temos uma rede de infra-estruturas tecnológicas para a implementação do plano de formação.

Este ano lectivo, os professores já terão salários mais dignos. A tabela salarial do PCFR já está a ser aplicada?

A lista definitiva foi publicada no Boletim Oficial. O novo PCFR será implementado e estamos a envidar esforços para o pagamento desses salários já em Setembro. Isso vai depender da interacção entre os ministérios concernentes, designadamente o Ministério da Educação, o Ministério da Administração Pública e o Ministério das Finanças, mas o que posso garantir é que o Ministério da Educação está a fazer tudo para que os professores recebam os seus salários, de acordo com a nova tabela remuneratória, o mais rapidamente possível.

Com efeitos retroactivos?

Vamos também iniciar, de imediato, o processo de pagamento dos retroactivos. Está na lei. Não será um pagamento acoplado ao pagamento de salários, será autónomo, mas estamos a trabalhar para o iniciar assim que tivermos a base de dados dos professores devidamente reconfigurada e actualizada.

A carreira de docente, um pouco por todo o mundo, é cada vez menos apelativa. Para além da questão salarial, que medidas para a tornar mais atractiva?

Nesta fase, já temos uma redução drástica dos pedidos de licença sem vencimento, porque há a expectativa de uma melhoria significativa dos níveis salariais. Os professores preferem continuar no sistema educativo cabo-verdiano, com um salário muito razoável para o contexto nacional e mesmo internacional. Isto, do ponto de vista salarial. Do ponto de vista dos outros incentivos, o PCFR determina um conjunto de critérios que favorecem esse desenvolvimento da carreira. Ao haver estes critérios mais transparentes, mais justos e equilibrados, que não dependem da intervenção de terceiros, penso que há um incentivo enorme para que os professores tenham uma carreira mais valorizada e consistente.

Falava mais no âmbito das infra-estruturas e condições de trabalho, dos materiais de apoio, da autonomia pedagógica...

Temos a transição digital e estamos a criar condições para que os professores tenham acesso a tecnologias e equipamentos que lhes permitam acompanhar as tendências pedagógicas e de conhecimento a nível mundial, mas também para terem condições para preparar melhor as aulas e a investigação inerente à preparação das aulas. Em termos das infra-estruturas, realizamos investimentos extraordinários, de mais de 2,7 milhões de contos, na modernização das escolas: reabilitámos mais de 350 escolas e construímos novas. As escolas estão dotadas de alguns laboratórios, mas precisamos de reforçar os laboratórios científicos e tecnológicos, bem como instalar laboratórios de línguas, garantindo melhores condições para o ensino experimental. Quanto à autonomia pedagógica, os professores têm autonomia garantida dentro da lei e do exercício da função docente. É claro que tem que haver supervisão pedagógica, que cabe à Autoridade Nacional que coordena a acção educativa, a DNE, e à gestão pedagógica das escolas. No entanto, o professor tem autonomia para adaptar e ajustar as suas aulas, respeitando os limites que garantem o cumprimento dos programas, matrizes curriculares e do Perfil do Aluno.

E em termos das condições de trabalho propriamente ditas? Uma das queixas de alunos e professores, por exemplo, é a climatização. As salas são muito quentes, e isso é algo que eventualmente vai piorar com as mudanças climáticas… 

O país já avançou muito e vai continuar a avançar. Em termos de infra-estrutura já avançamos extraordinariamente. Temos escolas reabilitadas, arejadas, com casas de banho e com condições para os alunos com necessidades educativas especiais. Em várias escolas, as salas de professores estão bem equipadas e climatizadas. As salas de informática, os laboratórios e algumas outras salas estão dotadas com aparelhos de ar-condicionado. Mas, temos também de ter os pés assentes na terra. Temos de ir fazendo os investimentos prioritários e, paulatinamente, ir criando melhores condições, como a climatização. É preciso ir paulatinamente, com novas expectativas, novas abordagens, de acordo com as possibilidades do país. De qualquer modo, estamos cientes de que é preciso continuar a modernizar as infra-estruturas. É preciso avançar; saber que em algumas situações, de facto, há necessidade da climatização, em outras situações as salas são bem arejadas, mas, na generalidade, temos que considerar aquilo que são as possibilidades do país.

O ano lectivo arrancou esta segunda-feira, dia 15. Nas ilhas afectadas pela tempestade de 11 de Agosto, principalmente São Vicente, esperam-se constrangimentos. Qual é a situação e que medidas estão a ser tomadas?

Naturalmente, há constrangimentos. Elaborámos um plano de acção emergencial para minimizá-los, mas temos que estar cientes de que vamos enfrentar algumas dificuldades. O mais importante é a nossa determinação em arrancar as aulas, para repor alguma normalidade e para, através da educação, transmitir confiança à população de São Vicente. Estamos empenhados na criação das condições mínimas para o regresso dos alunos, mas podem ainda existir muros ou telhados por reparar, ou constrangimentos na distribuição de materiais didácticos e manuais.

É seguro voltarem à escola ?

Sim. Salvaguardando novas chuvas intensas, estamos em condições de garantir a segurança adequada para que os alunos frequentem as aulas. Nas áreas mais críticas, estamos a encontrar soluções para colocar os alunos em salas alternativas.

De uma forma geral, quais serão as prioridades e principais objectivos para 2025-2026? O que irá marcar o ano lectivo?

Em termos pedagógicos, o que vai marcar este ano lectivo é a consolidação das reformas, particularmente a do ensino secundário. Essa consolidaçãofaz-se por várias vias, como a aplicação da avaliação PISA em Cabo Verde. Portanto, será uma grande novidade se conseguirmos reunir as condições técnicas para este exercício avaliativo. Vamos continuar a reforçar a formação contínua de professores, para que sejam, de facto, os principais impulsionadores da qualidade do ensino. E vamos continuar a reforçar a acção social escolar, alargando o funcionamento das cantinas escolares até ao 12º ano, onde for possível, e alargando o número de beneficiários dos programas de bolsas de estudos para o ensino superior. Vamos aumentar a dotação orçamental para termos mais 500 a 600 novas bolsas de estudos. Passaremos de cerca de 1.100 para cerca de 1.700 novos bolseiros neste ano lectivo e passaremos de 3.600 para 4.200 ou 4.300 beneficiários, no total. Incidiremos igualmente no pré-escolar, no âmbito do Programa de Apoio à Reforma Educativa Prioritária (PAREP-CV), no sentido de continuarmos a caminhar para a sua universalização. De forma geral, o ano lectivo 2025-2026 marca uma etapa: após oito anos de implementação da reforma curricular, chegamos ao fim e é preciso fazer a avaliação. Estamos imbuídos de espírito positivo, com esperança e com a confiança renovada de que estamos a realizar o Programa do Governo. Já realizamos, quase na íntegra, todos os itens que constam do programa, pelo que, em matéria da educação, estamos a cumprir e vamos consolidar os ganhos até aqui alcançados.

Qual é o ponto de situação dos manuais escolares?

Os manuais do 1.º ao 9.º ano estão disponíveis nas papelarias e Correios de Cabo Verde. Houve uma quebra de stock em São Vicente, devido à inundação do armazém central da FICASE que danificou mais de 10 mil exemplares, mas, no geral, estão disponíveis. Os do 10.º ano já estão a ser impressos na Imprensa Nacional e, ainda este mês, esperamos começar a colocá-los na rede de distribuição, à medida que forem recebidos. Para o 11.º ano, os manuais já estão na fase final de revisão e serão disponibilizados nas plataformas digitais ainda este mês. Não posso avançar uma data em definitivo, mas estamos a agilizar a impressão para termos, até ao final de 2025, estes manuais impressos e disponíveis. E, finalmente, os manuais de 12º ano estão em elaboração e esperamos que até Março de 2026 estejam disponíveis nas plataformas digitais. Com isso, teremos pela primeira vez na história de Cabo Verde, manuais do 1.º ao 12.º ano de produção nacional e de acordo com a linha educativa em vigor no país.

E falando de manuais, o manual de Língua de Cabo-verdiana tem gerado bastante celeuma... Há quem diga que se criou o crioulo de Santa Luzia. Qual é a visão do Ministério e como responde às críticas? [NR: A entrevista foi realizada antes da suspensão da distribuição dos manuais pelo ME, anunciada no dia 16.]

Não sou linguista, mas conheço um pouco de História e a construção de uma língua envolve sempre alguma polémica. Foi assim com o português, quando nos séculos XIV/XV se tentou a sua padronização e ainda hoje há diferenças de pontos de vista entre os diversos países que têm a Língua Portuguesa como língua oficial. O Acordo Ortográfico, por exemplo, não foi ratificado por todos. Portanto, a padronização de uma língua formal pode encerrar alguma polémica e estamos cientes disso. Agora, nós tivemos a coragem de introduzir LCCV como uma disciplina experimental, não obrigatória, a partir do 10.º ano. O programa e o manual, de carácter experimental, foram elaborados por académicos cabo-verdianos. Não tenho competência pessoal para avaliar a qualidade científica do manual. O que eu posso dizer é que é uma grande coragem. Até o facto de termos despoletado esta discussão técnico-científica já é uma grande contribuição porque estamos a trazer para o debate académico e para o debate na sociedade as questões da língua. Acho que deveríamos valorizar esta coragem do Ministro da Educação e da equipa do Ministério da Educação de introduzir esta disciplina.

O processo de criação deste manual foi transparente e participativo, dentro do possível?

Dentro do possível, sim. É um processo transparente, ao ponto de estarmos aqui a discutir o conteúdo do manual. Tenho que ser humilde: como disse, não estou capacitado para dar uma opinião técnico-científica sobre o conteúdo do manual, mas aqueles que participaram são académicos reputados, trabalham nas universidades em Cabo Verde e, portanto, não posso admitir que não tenham feito um trabalho com seriedade e credibilidade técnico-científica. Fizeram-no. Há pessoas que têm uma opinião diferente, o que penso que é normal, até porque estamos em democracia.

Está aberto a revisões científicas?

O próprio Artigo 14.º do Decreto n.º 28/2022 aprova a matriz curricular e a introdução desta disciplina com, repito, carácter experimental. Naturalmente, o Ministério tem que estar disponível para analisar todas as contribuições e aqueles que as tenham podem enviá-las. O Ministro da Educação não tem uma posição dogmática, nem poderia ter, até porque não tem condições para debater as questões científicas inerentes à construção dos aspectos formais da gramática, da ortografia, dos dicionários. Do ponto de vista da estratégia, penso que já demos uma grande contribuição para concretizar o que está na Constituição da República de 1999. Desde então, tivemos vários membros do governo, alguns da área da cultura até com uma posição bastante vincada sobre a oficialização efectiva da língua cabo-verdiana, mas na prática fizeram muito pouco. Quem já fez alguma coisa neste sentido foi este Ministério da Educação, este ministro. Portanto, estamos disponíveis para continuar a analisar as diversas contribuições e o manual estará sujeito a revisão científica no momento certo.

Para terminar esta questão, o poeta José Luiz Tavares vai avançar com uma providência cautelar para suspender o manual. Se a Justiça decidir suspender, que plano alternativo tem o Ministério para este ano lectivo?

Não vamos antecipar o que dirá o sistema de justiça. Naturalmente, respeitaremos a decisão da Procuradoria Geral da República ou dos tribunais. Se houver uma decisão judicial no sentido de suspender o manual, não haverá condições para manter a disciplina. Teremos de acatar e encontrar uma solução, nomeadamente para reafectar os professores.

Voltando ao barómetro nacional das escolas, de que falou há pouco. Como é que vai funcionar?

Estamos a ultimar o processo de conceptualização deste barómetro, que terá na sua base diferentes avaliações dos alunos, mas também outros critérios como a qualidade das infra-estruturas, os rácios, a formação de professores, a existência de laboratórios ou o engajamento da comunidade. Será, portanto, um barómetro para permitir ao Ministério, nas diversas dimensões, ajustar medidas de política para reduzir assimetrias entre escolas e nivelar as competências dos alunos.

Entretanto, sabemos que há disparidade no acesso às TIC e internet…

Todas as escolas secundárias do país dispõem de laboratórios tecnológicos. Podem não ser suficientes, mas dispõem e têm acesso à internet. Pode não ser com a qualidade desejada, mas têm acesso. Temos em curso o programa, financiado pelo Banco Mundial, de Alargamento da Conectividade para abranger todas as escolas básicas do país. Estamos a trabalhar no sentido de ter um sistema mais eficaz e mais eficiente de acesso à conectividade. Além do reforço dos laboratórios tecnológicos, pelo que nós esperamos este ponto, que pode ainda marcar alguma disparidade, possa ser nivelado a nível nacional.

Hoje já não se pode falar em ensino sem falar da inteligência artificial (IA). Que medidas estão pensadas para integrar a IA nas escolas ?

Temos que admitir que estamos num processo de aprendizagem, assim como todo o mundo. As nossas universidades têm que aprofundar esta questão para transmitirem inputs para o sistema educativo. No Ministério de Educação não temos capacidade suficiente para podermos interpretar bem o que poderíamos adoptar no sistema de ensino. Por isso temos de trabalhar com a Academia e com as orientações da UNESCO, da OCDE e de outras agências internacionais, para vermos em que medida podemos ajustar os programas das disciplinas e como podemos utilizar a IA para ajudar a melhorar a qualidade do ensino em Cabo Verde.

Passando para o ensino superior. E quais considera que são os principais desafios do ensino superior?

Continuamos a ter o desafio da investigação, é um desafio permanente do sistema e tem sido um pilar que deve continuar a merecer atenção e o investimento das instituições de ensino, das instituições de investigação não académica e também dos próprios organismos do Estado. Temos de continuar a fomentar a investigação e temos de admitir que é necessário fazer mais. Esperamos poder ter condições para implementar brevemente a Fundação Ciência e Tecnologia… 

Já se fala da FCT há muito tempo. O “brevemente” será este ano lectivo? 

A questão da FCT não é só a sua implementação institucional. Aprovar a sua criação, dotá-la de alguns recursos para o seu funcionamento, o Estado pode fazer a todo o momento. A questão fundamental é como financiar a ciência, como mobilizar recursos para financiar a investigação. Quais são os mecanismos? Nos países mais desenvolvidos, há várias fontes de financiamento da ciência. Desde logo as empresas e fundações privadas que têm projectos de investigação e desenvolvimento. A investigação no domínio das tecnologias digitais, no domínio aeroespacial, no domínio de saúde farmacêutica, entre outros, são as grandes empresas que financiam. E também há um quadro de incentivos de financiamento público. Na Europa, há subvenções, a União Europeia atribui fundos específicos para o financiamento da ciência. Países como os Estados Unidos, a Austrália, entre outros, têm programas com recursos públicos para financiar a ciência. Em Cabo Verde, temos de contextualizar. Temos empresas de pequena ou média dimensão e não temos um sistema assim tão robusto de financiamento público. A fundação, em si, pode-se criar. Basta um decreto, arranjar uns 15 mil contos, pagar aos administradores e aos funcionários e temos a fundação, mas o que está em causa é como financiar a ciência e a investigação.

Várias universidades apostam na investigação comfinanciamento junto a parceiros internacionais, bolsas e concursos. Como avalia essa dinâmica?

Acho que é uma linha. Devemos impulsionar as redes de investigação a nível internacional, para que as nossas universidades possam participar. Para isso, não é necessário termos a FCT. O que precisamos é de dinamismo, de alocação de recursos que permitam às universidades integrarem essas redes. Cabo Verde já participa, por exemplo, na rede de investigação do Atlântico, através do Instituto do Mar, e a Uni-CV está ligada a várias redes internacionais e programas de mobilidade de investigadores. É uma linha que devemos explorar e reforçar, para a qual a FCT pode contribuir, mas que depende sobretudo do dinamismo das próprias universidades e das instituições de investigação não académica. Mais do que a criação da fundação, é preciso ter uma estratégia de financiamento da ciência.

Em que ponto está a instalação do Instituto Superior de Aeronáutica e Turismo no Sal?

O ISAT já está a funcionar desde o ano passado com dois cursos, de gestão de turismo e de gestão de transportes aéreos. É uma unidade orgânica da Universidade Técnica do Atlântico. Estamos a consolidar o funcionamento do Instituto e a adaptar o antigo Hotel Atlântico, em Espargos, para servir sede académica, com financiamento do Fundo de Turismo. Penso que estamos em condições de termos uma porta para a internacionalização do ensino superior na área do turismo. 

Sobre medidas de apoio ao acesso ao ensino superior: referiu, há pouco, que vai haver um aumento das bolsas de estudo atribuídas. E quanto às anunciadas residências universitárias? Qual é o ponto de situação?

Com esse aumento do número de bolsas, cerca de 45% dos jovens cabo-verdianos a frequentar o ensino superior irão beneficiar de bolsas de estudos, o que está acima da média dos países europeus que têm um modelo de financiamento do ensino superior semelhante a Cabo Verde. Mas também é preciso ter em conta, entre as disparidades de acesso, as assimetrias regionais. Por isso, estamos a reforçar a disponibilidade de residências universitárias na Praia. As obras estão a decorrer e teremos dois blocos transformados em residências, o que irá acrescentar cerca de 400 camas à disponibilidade de alojamentos universitários. Em São Vicente, estamos a instalar uma residência, num edifício que está praticamente concluído, mas foi afectado pelas cheias agora de Agosto. A IFH está a terminar as obras em São Vicente, e esperamos ter a residência a funcionar antes de Dezembro.

Muitos estudantes que trabalham continuam a queixar-se que, apesar de haver o Estatuto do Trabalhador-Estudante a sua aplicação é deficitária e acabam muitas vezes por desistir. Alguma previsão de rever esta questão?

Estamos a rever o regime jurídico das instituições de ensino superior e, neste quadro, pode-se avaliar o Estatuto do Estudante-Trabalhador. Esta questão também que diz respeito ao Código Laboral, porque envolve a possibilidade das empresas privadas dispensarem os seus colaboradores nas condições previstas na lei. Portanto, se tivermos de fazer algum ajuste, teremos que passar também no quadro de uma eventual revisão do código laboral, que não depende do Ministério da Educação. De facto, havia e continua a haver algumas restrições: os empregadores podem ter limitações e os jovens querem estudar e trabalhar porque não têm rendimentos, ou porque precisam de um rendimento estável. É preciso equilíbrio. Mas, no quadro da revisão do regime jurídico abordaremos esta questão com as universidades e com os próprios estudantes.

Para concluir, numa reflexão final: a educação é considerada um pilar central de Cabo Verde. O que deve ser feito para que seja um projecto consensual, capaz de superar as divisões e polarizações?

Nas sociedades democráticas é normal haver pontos de vista diferentes sobre as diversas políticas. Por isso, encaramos com naturalidade essas diferentes perspectivas com deputados, grupos parlamentares, ou sindicatos, por exemplo na gestão das carreiras. Agora, o governo está empenhado, tem-no demonstrado e já realizamos praticamente todo o programa do governo. Não há praticamente nada do programa que este Ministério não tenha colocado em implementação. Estamos a chegar ao fim desta legislatura com a consciência de termos feito o máximo possível, nas condições que conseguimos mobilizar, para que a educação estivesse sempre na centralidade das políticas públicas em Cabo Verde. Vamos realizar no final de Novembro uma conferência internacional sobre educação, para a qual estamos a convidar diversos especialistas para, por um lado, fazer o balanço da reforma educativa que implementamos e, por outro, perspectivar o futuro do nosso país. Estamos a convidar também os líderes da Nação. O presidente Pedro Pires e o presidente Jorge Carlos Fonseca, nomeadamente, já manifestaram disponibilidade para participar nesta reflexão colectiva, que é uma tentativa do Ministério da Educação de demonstrar que a educação deve unir os cabo-verdianos. Mesmo com diferenças de opinião, é essencial considerar a educação como motor da transformação social, da melhoria da qualidade de vida e da construção do país a todos os níveis. É preciso continuar a mobilizar financiamentos, vontades e procurar unir o país à volta da educação, mesmo que em um ou outro aspecto não haja convergência entre nós, porque em democracia é mesmo assim.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1242 de 17 de Setembro de 2025.

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Autoria:Sara Almeida,21 set 2025 7:50

Editado porSara Almeida  em  21 set 2025 12:19

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