Alfredo Machado considera que ‘regionalização’ é uma palavra vaga, que deve ser adaptada para que fique mais clara. Ao Expresso das Ilhas, num balanço do ano que agora termina, o analista político destaca as limitações impostas pela actual Constituição, mesmo para a chamada ‘regionalização administrativa’, e explica que a forma como o tema foi introduzido condicionou o processo, que acabou em Março, com a retirada da proposta apresentada pelo Governo.
“Quando estamos a referir ilha-região já estamos a entrar na esfera da forma de Estado. O estado é unitário. Na Constituição cabo-verdiana não se fala na ilha. A ilha existe como território. Fala-se no poder local, que está no âmbito do direito administrativo. No poder regional, como Açores e Madeira, quando se fala em regiões administrativas, existe um determinado tipo de competências que não existe nas autarquias”, observa.
“O conceito tem que estar agarrado a uma filosofia, o que os indivíduos em Cabo Verde não fizeram. Criaram uma situação em que se está num impasse”, acrescenta.
Para responder aos actuais desafios de desenvolvimento do país, Alfredo Machado tem defendido a necessidade de se avançar para uma reforma constitucional que vá além da simples revisão da actual Lei Fundamental.
“Não é apenas uma questão de revisão constitucional é uma nova Constituição. Chamo a isto uma reforma da Constituição, diferente de uma reforma constitucional. Trata-se de algo que altera o espírito da Constituição”, sustenta.
Torturados
Em Julho, o Parlamento aprovou, em votação final global, a atribuição de uma pensão a vítimas de tortura do partido único.
O analista contesta a medida e considera que se “está a brincar com a política e com o Direito”, já que o diploma não terá, na sua opinião, base constitucional. “O próprio estatuto dos combatentes da liberdade, não há nada na Constituição de 92 que permitisse ao PAIGC criar aquele estatuto”, complementa.
Alfredo Machado defende que o pagamento de pensões às vítimas de tortura, por actos cometidos em 1977 e 1981, em São Vicente e Santo Antão, é, fundamentalmente, uma jogada eleitoralista.
“Temos que ter sinceridade e, em consciência, debater determinadas questões. Não é estar ali a fazer as coisas, ‘porque vou tirar dividendos em São Vicente’, não é bem assim”, apela.
Para o habitual comentador de política do Expresso das Ilhas e Rádio Morabeza, é necessário mais foco nos verdadeiros desafios do país.
“Eu não compreendo que no parlamento andem a apontar o dedo para direita, para a esquerda, ‘o que se passou no teu tempo’. É preciso perspectivar o país, perspectivar a economia, sobretudo, o que vamos fazer”, desafia.
Panorama 3.0 #125 - Alfredo Machado, Bernardo Pires Lima, Brexit
Podcast do programa de grande informação da Rádio Morabeza. Episódio de 20 de Dezembro de 2019
Paridade
A equidade e igualdade de género também marcaram a actualidade política em 2019, com a discussão em torno da Lei da Paridade. Depois de um primeiro adiamento, em Julho, a lei foi aprovada em Outubro. O diploma apresenta como objectivo principal a "prevenção e o combate às condutas discriminatórias, em função do sexo e na promoção de políticas activas de igualdade entre homens e mulheres". A partir de agora, as listas candidatas a eleições no país devem respeitar uma quota mínima de 40%, reservada ao sexo feminino.
Alfredo Machado considera que a lei não resolve o essencial do problema da menor participação política das mulheres.
“Era necessária uma boa preparação, era necessário que a lei desse 5 ou 10 anos aos partidos para preparar os indivíduos, porque isto vai dar lugar a muito oportunismo”, antecipa.
O analista diz que existem exemplos de mulheres com voz activa na sociedade civil, fora da esfera partidária, pelo que o problema está na forma como os partidos estão organizados.
“Há gente que está nos partidos, até como deputados e deputadas, que está lá a receber o dinheiro, a levantar a mão, muitas vezes agarrados a argumentos de maldade contra o PAICV ou contra o MpD. Só é grande militante se acusar de forma fanática e leviana o partido A ou o partido B”, lamenta.
Privatizações
O dossier das privatizações conheceu nos últimos doze meses alguns desenvolvimentos, em particular com a TACV a deixar a esfera do Estado.
Alfredo Machado confessa-se um defensor da diminuição do sector empresarial do Estado.
“As privatizações são necessárias em Cabo Verde. Não podemos ter uma empresa em que vai um idiota qualquer, porque é membro do partido. Aquilo é uma empresa, tem de dar lucro”, lança.
Apesar de estar alinhado com a posição estratégica do Governo, o analista pede maior transparência.
“Os políticos em Cabo Verde, seja a nível central ou local, devem aprender que o político dá directivas e depois deve chamar o técnico da área, que vai até à comunicação social explicar a bondade da iniciativa”, expõe.
2020
O ano que se avizinha marcará o início de um novo ciclo eleitoral, com eleições autárquicas, em antecâmara às legislativas e presidenciais.
Alfredo Machado considera muito provável a vitória do MpD nas eleições de 2021 para a Assembleia Nacional, perante um PAICV desgastado depois do polémico processo eleitoral interno, que resultou na reeleição de Janira Hopffer Almada para a presidência do partido. Janira apresentou-se como candidata única, na sequência da desistência de José Sanches, após denúncia de alegadas irregularidades eleitorais.
“O PAICV só tinha hipótese de ganhar as eleições com o afastamento da Janira e com um novo líder, sobretudo partindo do apoio dos mais velhos e da malta mais nova. A Janira não vai ganhar ao Ulisses, agora que ele está no poder (…) apesar de o MpD estar com algumas mazelas (…). O PAICV está fragilizado, dividido”, remata.